Lembro-me de um hotel em Hong Kong cheio de sacoleiros de rolex. “Lolex, cheap for you, sir” me diziam os meninos em um mercado de Xangai. Não comprei o rolex, mas comprei um relógio que tem o Mao apontando as horas.
Para muitos de nós, do mercado editorial, a China era e ainda é o paraíso dos brindes baratos que irão ser encartados em revistas, o paraíso dos livros infantis cheios de traquitanas e livros coloridos luxuosos cujas fabricações seriam economicamente inviáveis nas gráficas ocidentais. Mas o que mais tem eletrizado os editores do planeta desde o início da Era Chinesa não é o que o China tem a vender, e sim o que ela pode vir a comprar. As possibilidades de um mercado interno com mais de um bilhão de pessoas. Editores do mundo inteiro voam para as feiras do livro de Pequim e Xangai para comprar, mas, principalmente, para tentar vender direitos de publicação.
Durante o governo Lula vi crescer o mesmo tipo de entusiasmo de editores e agentes literários estrangeiros pelo Brasil e pela perspectiva de um grande crescimento do mercado interno do país. Não seria preciso que o brasileiro passasse a ler tanto quanto o francês, ou mesmo tanto quanto o argentino ou o colombiano, mas que lesse um pouco mais do que já lia: isso significaria vários milhões de livros vendidos a mais por ano. E esse movimento de fato começou a acontecer, as pesquisas do Instituto Pró-Livro mostram isso: o número de leitores de livros no Brasil subiu seis pontos percentuais entre 2011 e 2016. Subiu o número de leitores e subiu o número de livros lidos por habitante. Parecia ser apenas o início do salto.
Não sou economista. Sou um comerciante de livros e revistas, e é deste mercado que mais ou menos entendo. Então perdoe minha ingenuidade se digo que daqui de baixo, do meu ponto de vista, tenho a impressão que o que mais abre o apetite da maior parte dos tubarões gringos não é exatamente as riquezas minerais do Brasil. Não as coisas que eles podem tomar daqui para vender em outros lugares. Mas a possibilidade de encontrarem aqui mercado para seus produtos. Pré-sal, uau! Vai garantir que os carros continuem poluindo o planeta por mais algumas décadas, que bacana! Mas a notícia do pré-sal entusiasmou também porque significava a possibilidade de melhorar a renda dos brasileiros e isso resultar em mais consumidores para iphones, carros, nikes, fast-food e, sim, livros. Portanto valia a pena vir para o Brasil.
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Wikimedia Commons
Matriz francesa da FNAC divulgou nota dizendo que empresa poderia deixar Brasil
O Golpe acabou com essa perspectiva. As políticas recessivas tomadas pelo governo anterior, aquele que foi eleito, podiam até ser entendidas como um ajuste temporário. O que está em curso agora é visivelmente outra coisa. A utopia de Temer, Meirelles e os outros coronéis é o Brasil Fazendão tranquilo, no qual eles ficam em cadeiras de balanço na varanda da casa grande enriquecendo com o dinheiro que ganham por arrendaram as minas para os gringos. Um lugar onde não há lugar para sindicatos, partidos de esquerda, CUT, MST, MSTU, feministas, antirracistas, transexuais, pichadores, blogs sujos, secundaristas baderneiros… e a lista de subversivos segue até incluir a maior parte dos brasileiros. Um Brasil cheio de soja e vazio de gente. Onde o termo “inclusão social”, agora quase tão suspeito quanto “luta de classes”, passa a ser apenas uma lembrança desagradável daquele tempo terrível no qual o Brasil vivia sob o jugo do comunismo bolivariano.
O Fazendão ainda há de ser interessante para alguns comerciantes. Para os fabricantes de armas e os vendedores de pesticida para bananeiras, por exemplo. Mas livros? Para quê?
Au revoir, FNAC!
Então agora me lembro do final de uma comédia que assisti em Hong Kong. Os protagonistas encontram um primo trambiqueiro conversando com um estrangeiro e perguntam a respeito do que é conversa.
“Estou vendendo aquela ponte para ele”
“Mas como vendendo a ponte?! Desde quando aquela ponte é sua?”
“Hahaha. Ele não sabe que não é minha. É brasileiro”.
A ponte para o futuro?
*Rogério de Campos é escritor, editor e tradutor. Foi um dos fundadores da editora Conrad, em 1993, e é um dos fundadores e diretor editorial da editora Veneta.