Em Brasília, vim participar do Fórum Alternativo Mundial da Água. O evento foi uma resposta das comunidades do Brasil e do mundo à grande rodada de negócios que foi o Fórum Mundial da Água, que aconteceu aqui na cidade, de 17 a 22 de março.
Pois é. Houve um Fórum Alternativo Mundial da Água, que quase não foi noticiado pela grande mídia. Ele aconteceu de uma forma praticamente invisível, assim como também são praticamente invisíveis os Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a Articulação do Semiárido (ASA), o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e os outros movimentos organizados pela igreja e pela sociedade civil em busca de justiça ambiental para os povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas… Aliás, todos estão representados aqui.
Teve gente do mundo inteiro: de acordo com os organizadores, participaram pessoas de mais de 35 países, de todos os continentes. Além dos brasileiros, vi depoimentos de gente da Nigéria, Colômbia, Argentina, Peru, Japão, Grécia. Todos contando histórias de luta e resistência a favor da água e das comunidades.
É bonito de ver a união desse tanto de gente. As trocas. As conversas que tivemos: fáceis, deliciosas, amorosas, cheias de sorrisos e com profundidade no olhar. Muita gente ficou surpresa quando eu dizia que não faço parte de algum movimento.
E é estranho constatar que esse tipo de surpresa não deveria existir. Porque a luta pela água – este nosso bem comum, que não é mercadoria, mas lá no Fórum Mundial da Água, está sendo leiloada descaradamente -, deveria ser de todos nós.
A não ser que haja alguém lendo isso que não precise tomar um copo de água de vez em quando. (Aviso: a Coca-Cola, apesar de tudo, contém água).
Nestes momentos da história em que governos ilegítimos e golpistas fecham o cerco, cerceiam a nossa liberdade, nos vigiam e criam uma atmosfera de medo, só sobra na luta quem não tem nada a perder – porque já perdeu tudo.
Se não fossem os movimentos sociais, seria pior. São eles que sobram na linha de frente.
NULL
NULL
Ludimilla Balduino
Fórum Alternativo Mundial da Água aconteceu em Brasília
E nestes momentos em que eventos grandiosos como esse são praticamente invisíveis, precisamos usar o que nos resta, que é o nosso corpo, para estarmos presentes, dando voz e escutando ativamente o que eles têm a dizer.
É participar da massa, fazer volume, estar aqui.
Porque depois não vai ter água para a gente, não. Mas a Coca-Cola, a Nestlé, a Ambev, vão ter. E aí a decisão fica a critério de cada um: fazer voz a quem está na luta e engajar nessas lutas ou fechar os olhos e meter um líquido industrializado, com traços de sangue e suor do povo, goela adentro.
Quem dera a nossa luta fosse apenas contra essas três poderosas. Todo mundo está de olho na nossa água. Quando eu digo a nossa água, não falo da água do Brasil. Água é um bem da natureza. É internacional. É de todo mundo. Deveria ser de graça.
Aqui, na luta pela nossa água, as vozes de todos os países confluem para uma conclusão óbvia: nosso inimigo maior é o agronegócio.
Voltando para o Brasil, de acordo com dados da Unesco, o país exporta, todo ano, 112 trilhões de litros de água. Não que esse aguaceiro todo viaje de caminhão-pipa para outras partes do mundo. A água é exportada em forma de soja, milho e carne.
É nas lavouras de transgênicos e nos pastos de criação de gado bovino, que já são condenáveis por contaminar nossas terras e águas com agrotóxico, que o Brasil mais gasta água. A irrigação de lavouras é indispensável para o crescimento da soja e do milho e para alimentar o gado, e quando chega a hora da colheita ou do abate, toda a água contida na composição dessas plantas e animais entra em caminhões e segue caminho direto para os portos.
É sempre mais fácil combater um problema quando ele é visível. No caso do agronegócio, a água exportada é quase invisível. Assim como os movimentos que tentam defendê-la. Ponto para o capitalismo, que tem a incrível capacidade de tornar invisível tudo aquilo que poderia impedi-lo de continuar devastando o planeta em prol dos lucros de poucos.
(*) Ludmilla Balduino é jornalista.