O economista marxista e leninista Samir Amin faleceu no
último dia 12 de agosto, aos 87 anos, após uma vida e uma imensa obra consagrada
à crítica do imperialismo. Perdemos com esse camarada “um Baobá (*) do
pensamento”, segundo a expressão do professor senegalês Saliou Sy.
Nascido no Cairo (Egito) em 1931, ele fez estudos de
ciências políticas em Paris e depois se voltou para as ciências econômicas.
Depois de ter militado no Partido Comunista Francês (PCF), ele se aproximou do
movimento maoísta com o qual compartilhou a crítica do revisionismo kruchevista
e o apoio às lutas de libertação nacional.
Materialista e marxista consequente, Samir Amin jamais
deixou de articular investigação teórica e ação militante. Isto o conduziu
desde cedo a se engajar no apoio às primeiras experiências progressistas
africanas na década das independências, depois às experiências
anti-imperialistas na América Latina. Ele acompanha assim o programa de nacionalizações
no Egito de Nasser de 1957 a 1960. Em seguida, torna-se conselheiro de Modibo
Keita para realizar a planificação no Mali de 1960 a 1963. Igualmente, aportará
seus conhecimentos à elaboração dos planos de industrialização da Argélia de
Boumediene. Enfim, ele também se torna conselheiro da China, do Vietnã, da
Venezuela, da Bolívia etc. Por fim, assume o antimundialismo e o altermundialismo
desde o início deste século (diretor do Fórum do Terceiro Mundo e presidente do
Fórum das Alternativas). As mesmas razões o conduziram a ser professor no Senegal
desde 1963 e a assumir em seguida, em 1970, a direção do Instituto Africano de
Desenvolvimento Econômico e de Planificação (IDEP) de Dacar, onde viveu durante
quatro décadas.
Sua obra teórica contribui fortemente para a compreensão dos
mecanismos da dominação colonial e imperialista. Sua tese de doutorado
defendida em 1957 já se caracteriza por uma visão mundial do desenvolvimento de
uma parte do planeta e do subdesenvolvimento de outra, como facetas de um mesmo
processo global ligado à emergência do modo de produção capitalista e depois do
imperialismo. Ele contribui para a crítica das abordagens tecnicistas
economicistas despolitizadas que apresentam o subdesenvlvimento e o
desenvolvimento como duas etapas sucessivas.
Seguindo sua pesquisa, Amin publica em 1973 o livro “O
desenvolvimento desigual. Ensaio sobre as formações sociais do capitalismo
periférico” que analisa os modos de produção tributários na periferia e o modo
de produção capitalista no centro como parte de um mesmo processo de mundialização
do capitalismo. Este livro acompanhou muitas gerações de militantes
anti-imperialistas, notadamente na África e no mundo árabe. Seus conceitos de
“centro” (os países capitalistas industrializados) e periferia (os países
neocolonizados do antigo império colonial) ajudam a captar as ligações entre o
desenvolvimento de uns e o subdesenvolvimento (ou fraco desenvolvimento) de
outros, pertencendo todos a um mesmo sistema-mundo. Com toda a lógica, Samir
Amin preconiza uma “desconexão” com a economia mundial dominante como condição
para um desenvolvimento autocentrado. Seu livro “A Desconexão. Para sair do
sistema mundial”, publicado em 1986, contribui para a emergência de
experiências como a Alba, tentando implementar uma dinâmica regional
independente do sistema mundial imperialista.
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Samir Amin morreu no último dia 12 de agosto (Wikimedia Commons)
Sua vigilância para realizar análises concretas das dependências neocoloniais o conduz a desenvolver uma análise histórica das formas econômicas pré-capitalistas nas sociedades pré-coloniais. Ele contribui para restaurar essa história pré-colonial ocultada e deformada. A mesma preocupação o leva a analisar as experiências da África desde as independências em numerosas obras: O Egito nasseriano (1964); Três experiências africanas de desenvolvimento: o Mali, a Guiné e Gana (1965); A economia do Magreb (1966); O desenvolvimento do capitalismo na Costa do Marfim (1967); O mundo dos negócios senegaleses (1969); O Magreb moderno (1970); A África Ocidental bloqueada; A economia política da colonização. 1880-1970 (1971) e outras.
Consciente da importância do combate ideológico, ele consagra uma parte de suas pesquisas à crítica das ideologias dominantes: mundialização, eurocentrismo, culturalismo, afro-pessimismo, modernidade etc. Seus dois livros “O eurocentrismo” (1988) e “Modernidade, religião e democracia: Crítica do eurocentrismo e crítica dos culturalismos” (2008) contribuíram para armar numerosos militantes em face da ofensiva ideológica que acompanhou a implementação da mundialização após o fim da URSS.
Depois do desaparecimento da URSS, ele foi um dos primeiros a alertar para as consequências geopolíticas do fim dos equilíbrios do pós-segunda guerra mundial sublinhando a amplitude das estratégias de instrumentalização das questões étnicas, nacionais e religiosas pelas grandes potências na sua concorrência pela redivisão do mundo. Muitas de suas obras analisam as consequências do fim dos equilíbrios estabelecidos após a segunda guerra mundial: O Império do caos (1991); A Etnia no assalto às nações (1994) ; Os desafios da mundialização (1996); A Implosão do capitalismo contemporâneo. Outono do capitalismo, primavera dos povos ? (2012).
Com mais de 50 obras consagradas aos mecanismos do imperialismo, às lutas e experiências de libertação nacional, às ideologias dominantes, às contradições e questões geopolíticas, Samir Amin é indubitavelmente um “Baobá do pensamento” e um intelectual orgânico dos povos em luta. Continuar sua obra e seu combate é a única homenagem que está à altura de um tal pensador e de uma tal obra. Descanse em paz, camarada.
Depois de Jean Salem, Assane Samb, Domenico Losurdo, falecidos neste mesmo ano de 2018, é Samir Amin que agora nos deixa.
Estes monumentos do militantismo marxista-leninista contribuíram para preparar aquilo que o aprofundamento contínuo da crise do capitalismo imperialista anuncia inevitavelmente: as revoluções nacionais que estão por vir.
Suas vidas e suas obras militantes são uma fonte de inspiração para os atores presentes e futuros do novo ciclo das revoluções proletárias que cresce inexoravelmente no ventre da besta imunda capitalista e imperialista.
Homenagem póstuma do Círculo Henri Barbusse. Tradução de José Reinaldo Carvalho, para Resistência
(*) Majestosa árvore com tronco gigantesco e ereto, nativa de regiões tropicais da África, pode viver mais de dois mil anos e seu tronco alcançar mais de 10 m de diâmetro; suas folhas, flores, frutos e sementes são comestíveis e têm inúmeros usos medicinais.