Apesar de ter sido um dos generais mais próximos do ditador Augusto Pinochet (1973-1990) nos anos 1980, Hermán Ramírez Rurange nunca havia sido condenado pelos crimes relacionados à ditadura, até que, na noite da última quarta-feira (12/08), a Corte Suprema do Chile decretou a sentença contra ele e outros 13 militares envolvidos no assassinato do químico Eugenio Berríos, ex-funcionário da Dina (Departamento Nacional de Inteligência), desaparecido desde 1992 e cujo corpo foi encontrado em 1995.
A resolução do Caso Berríos estava ligada justamente a diversos episódios da Operação Condor, entre eles, o da morte do ex-presidente brasileiro João Goulart (1961-1964), por possível envenenamento, e o do poeta chileno Pablo Neruda.
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O químico Eugenio Berríos, que trabalhava para a repressão chilena, desapareceu em 1992 e foi encontrado morto no Uruguai em 1995
Rurange recebeu pena de 20 anos de prisão, apontado como um dos autores intelectuais do sequestro e homicídio de Berríos. A formalização da sua detenção estava marcada para a manhã de quinta-feira (13/08). Durante a madrugada, porém, o general teria tentado o suicídio, com um disparo na cabeça. Segundo comunicado do Hospital Militar de Santiago, Ramírez Rurange não morreu instantaneamente, mas foi socorrido por familiares, e faleceu duas horas depois, já no recinto hospitalar, enquanto recebia atendimento médico.
Produtos químicos para a ditadura chilena
A morte de Rurange coloca um pouco mais de sombras sobre um dos mais obscuros casos pós-ditadura conhecidos na América do Sul, que começou a vir a público quando o corpo do químico chileno Eugenio Berríos foi encontrado, em 1995, enterrado numa praia, no balneário uruguaio de El Pinar. A Justiça uruguaia determinou que a morte ocorreu em novembro de 1992, pouco depois do seu desaparecimento. O cadáver apresentava duas perfurações no crânio e alguns sinais de fratura em outros membros.
Berríos trabalhou para a Dina na década de 1970, desenvolvendo produtos utilizados em diversas operações de assassinato de opositores no Chile. Entre os casos comprovados se destacam a morte do ex-presidente chileno Eduardo Frei Montalva (1964-1970) — antecessor de Salvador Allende (1970-1973) —, mas há quem defenda que Berríos já colaborava com o Exército desde antes da ditadura, e que teria participado de uma operação para o suposto assassinato do poeta Pablo Neruda: hipótese que está sendo investigada pela Justiça.
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Ditadura chilena, chefiada por Pinochet (3º da esq. para a dir.), durou de 1973 a 1990
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Em depoimento à Justiça chilena, em 1993, o norte-americano ex-agente da CIA Michael Townley revelou detalhes do chamado Projeto Andrea, que consistia na fabricação de gás sarin e gás mostarda para assassinar opositores do regime de Pinochet. Eugenio Berríos era a peça principal dessa operação, e trabalhava no porão da mansão de Cerro Lo Curro, onde viviam Townley e sua esposa, a dramaturga chilena e também agente da CIA, Mariana Callejas. “Através do Projeto Andrea, foram assassinados vários opositores, cujas mortes foram apontadas depois como suicídios ou casos raros de câncer”, declarou Townley, à época. O agente confirmou sua participação em algumas das operações, mas não deu detalhes sobre todos os casos.
Precisamente, um dos casos que ainda necessitam de explicação, e que está ligado ao Projeto Andrea é o da morte do ex-presidente brasileiro João Goulart (1919-1976), deposto do poder em 1964.
Segundo o depoimento de Mario Neira Barreto, ex-agente do serviço secreto uruguaio, Jango teria sido morto por envenenamento, em ação promovida dentro da chamada Operação Condor, na qual participaram diretamente agentes brasileiros e uruguaios, que teriam trocado os medicamentos usados pelo ex-presidente por cápsulas similares que continham o veneno. Os chilenos também teriam participado justamente no desenvolvimento do veneno, que teria sido obra de Berríos, o que estaria comprovado em documentos chilenos relacionados ao Projeto Andrea, aos quais a CNV (Comissão Nacional da Verdade) do Brasil teve acesso em abril de 2014.
Claudio Fachel/GERS
Restos mortais do ex-presidente João Goulart retornam, após a exumação, à cidade gaúcha de São Borja
O mandato da CNV, inclusive, reabriu investigações sobre a morte de Goulart, chegando a determinar a exumação do corpo do ex-presidente. Em dezembro de 2014, quando foi entregue o relatório final da CNV, a comissão afirmou que os exames realizados não chegaram a nenhuma conclusão, mas a investigação prossegue.
É o 8º caso de suícidio entre militares condenados
Vale lembrar que Rurange não é o primeiro ex-militar chileno que se suicida após uma condenação por violação de direitos humanos ou agravamento da pena. Outros sete oficiais já haviam cometido o mesmo gesto. O caso mais conhecido foi o de Odlanier Mena (ex-diretor da CNI, a Central Nacional de Informações, órgão máximo da repressão na década de 1980), em 2013, após a decisão do então presidente Sebastián Piñera (2010-2013) de fechar o antigo Penal Cordillera, considerado um presídio de luxo para ex-militares, e transferi-los para a prisão de Punta Peuco.
O episódio acontece dias depois da morte do ex-general Manuel “El Mamo” Contreras, um dos arquitetos do aparato repressivo chileno e diretor da Dina, e em meio a uma série de questionamentos pela qual o país passa a respeito dos pactos de silêncio organizados pelos militares após a ditadura.
Com a sentença contra os 14 militares chilenos responsáveis pelo assassinato de Berríos, a Justiça chilena espera avançar para descobrir em quais casos de assassinato os produtos químicos foram empregados.
O suicídio de Rurange, porém, acendeu um alerta no que diz respeito à apuração desses casos. O advogado Francisco Ugás, diretor do Programa de Direitos Humanos do Ministério do Interior do Chile, afirmou que “buscar essas revelações vai requerer tato, porque as novas descobertas afetaram profundamente as sensibilidades militares, e será preciso paciência e inteligência para poder se chegar à verdade”.