Vinte e cinco milhões de americanos estão em busca de um emprego em período integral, os salários estão caindo e uma a cada seis pessoas vive na pobreza, o maior índice em cinquenta anos. A classe média afunda, ameaçada por uma economia que não faz nada pelos trabalhadores. E cada elemento do sonho americano, o “American Dream”, está ameaçado.
Os salários para os 70% dos cidadãos sem educação superior caíram muito ao longo dos últimos quarenta anos, embora os ganhos de diretores executivos e os lucros das companhias tenham subido. As corporações continuam a transferir os bons empregos para o exterior, enquanto as poucas vagas criadas dentro do país estão desproporcionalmente concentradas no mal pago setor de serviços.
A lista de perdas continua: o valor atual de uma em cada quatro propriedades familiares já não é mais capaz de cobrir sua hipoteca, o que é devastador para muitas famílias americanas de classe média, que possuem apenas suas casas como propriedade de valor. Os custos de cuidados médicos também têm subido, com cerca de 50 milhões de pessoas desprovidas de seguro-saúde. Metade dos americanos não tem plano de aposentadoria, as pensões desaparecem e mesmo a Previdência Social e a Medicare, que fornece assistência médica gratuita a cidadãos com mais de 65 anos, têm sido alvo de cortes no orçamento.
As dívidas da família americana com a educação de seus filhos têm sido maiores do que as dívidas no cartão de crédito, e muitos jovens começam a deixar os estudos por causa das altas mensalidades.
A economia vai bem apenas para poucos. O 1% mais rico da população captura cerca de um quarto da renda total de todo o país e controla algo em torno de 40% de sua riqueza. Eles embolsaram quase todos os ganhos do crescimento econômico nas últimas décadas. A Praça Tahrir presenciou uma revolução em janeiro, mas a América, na verdade, sofre de maior desigualdade social do que o Egito.
Interesses enraizados
Isso não é um acidente, é uma derrota. É a desventura da luta de classes, conduzida e ganha pela pequena fração dos mais ricos, como notou o multimilionário Warren Buffett. Os economistas falam de globalização, tecnologia e educação como fatores causais da extrema desigualdade de nossa era. Na verdade, essa desigualdade provém de políticas que enfraquecem os trabalhadores, dão sinal verde aos grandes empresários, imobilizam a proteção social e atacam brutalmente a classe média.
Os últimos três anos oferecem uma lição bastante objetiva sobre o quão poderosos podem ser certos interesses enraizados. Eleito em meio à pior crise econômica desde a Grande Depressão, o presidente Obama capturou a maioria dos votos (o primeiro democrata a fazê-lo desde Jimmy Carter) com a promessa de mudança. Em janeiro de 2009, os democratas ocupavam 58 cadeiras no Senado e tinham ampla maioria na Câmara dos Representantes, liderados pela presidente mais progressista a ocupar o posto nos EUA, Nancy Pelosi. Crise, mandato, maioria, tudo estava preparado para uma reforma.
Obama propôs reformas em áreas importantes para o país: sistema de saúde, energia e finanças. As propostas do presidente eram cuidadosas, muitas vezes com concessões prévias, mas ainda assim acabaram por ser negadas. O Housing and Economic Recovery Act (Ato de Recuperação Econômica) foi enfraquecido; a reforma da energia, bloqueada; a nova regulamentação financeira, neutralizada; a questão do sistema de saúde, distorcida. A obstrução por parte dos conservadores e os interesses das corporações poderosas impediram as mudanças.
A calamidade econômica, bem como a coalizão bipartidária com Wall Street montaram o palco para os protestos da população. Com os democratas no poder em Washington, a direita apelou para a ira popular, principalmente através do tão falado Tea Party. Ao contrário do que a imprensa a princípio noticiou, não eram ativistas independentes, mas da direita, muitos guiados, no começo, pelo ressentimento racial. A maioria deles é mais velha, mais branca e mais influente do que a maior parte da população. Sua energia inicial foi alimentada por ONGs suntuosas, do tipo que têm sedes com jardins cobertos de gramado artificial, como a FreedomWorks, em parte apoiada pelos bilionários irmãos Koch.
Temas populistas
Os membros do Tea Party usaram o espetáculo da corrupção na política para criar um caso conservador: Washington não trabalha por você, tome de volta o seu dinheiro. Seus líderes frequentemente ressoam temas populistas, como Sarah Palin fez no comício do Tea Party do último verão: “A classe política permanente está se dando muito bem. Eles conseguem poder e riqueza com o nosso dinheiro, com os dólares do pagador de impostos. Eles o usam para salvar seus amigos falidos de Wall Street e os parceiros corporativos, para dar recompensas aos que contribuíram com suas campanhas e para comprar votos. Existe um nome para isso: clientelismo corporativo!”.
É o velho papo-furado: as pautas do Tea Party revelam uma retórica populista. A atual maioria dos republicanos na Câmara, supostamente dominada pelo Tea Party, defende a mesma política elitista que ajudou a criar essa bagunça: impostos mais baixos para os ricos, redução dos serviços básicos, ataques aos sindicatos, comércio corporativo, energia da Big Oil e desregulamentação financeira. A única diferença é asua ambição: os arautos do Partido Republicano reverteriam não apenas as reformas de Obama, como também a Grande Sociedade do presidente Johnson e o NewDeal; reverteriam, de fato, grande parte do século XX. Não é surpreendente que essas ideias não despertem o interesse da grande maioria dos americanos. Apesar do persistente desemprego em massa, os republicanos dominaram o debate sobre quem vai pagar pela bagunça que os excessos de Wall Street causaram – e sobre que modelo econômico deve ser adotado, quando os EUA sair do brejo. Esse ataque gerou uma vigorosa resposta por parte dos progressistas.
Quando professores, estudantes e bombeiros se juntaram aos sindicalizados de Wisconsin para defender os direitos dos trabalhadores e se opor à pilhagem das escolas e serviços públicos, as grandes manifestações entusiasmaram os progressistas e atraíram a atenção nacional.
Quando os republicanos da Câmara aprovaram um orçamento que teria acabado com a Medicare da forma como a conhecemos e, ao mesmo tempo, diminuído os impostos sobre a população mais rica, os cidadãos revoltados lotaram os salões onde aconteciam reuniões locais com membros do Congresso em todo o país.
Wisconsin inspirou o esforço de Van Jones e outros para lançar o American Dream Movement (Movimento pelo Sonho Americano). Jones, fundador da Green for All (Verde para Todos), juntou-se à MoveOn.org, ao Center for Community Change (Centro para a Transformação da Comunidade), à Campaign for America’s Future (Campanha para o Futuro da América) e a dezenas de outros grupos e organizações progressistas para construir uma iniciativa a qual muitos ativistas pudessem se afiliar e ajudar a construir.
Assim como o Tea Party serve como uma referência central para os grupos conservadores com suas diferentes pautas, que vão desde o liberalismo purista até o fundamentalismo cristão eo racismo do White Citizen’s Council (Conselho dos Cidadãos Brancos), o American Dream Movement espera fornecer uma referência central e mobilizar as energias dos vários grupos progressistas, organizando tentativas virtualmenteinvisíveis em âmbito nacional. Mas diferentemente do Tea Party, o American Dream Movement está defendendo causas que têm amplo apoio popular.
Como um primeiro passo, promoveram mais de 1.500 eventos em todo o país para ajudar a desenvolver um Contract for the American Dream (Contrato pelo Sonho Americano). Mais de 130 mil ativistas se juntaram pela Internet e ao vivo para definir as pautas das reformas que transcendem os limites do atual debate. Entre elas estão iniciativas pelo trabalho e pelo crescimento: o compromisso de reinvestir em nossa infraestrutura decrépita e de reconquistar o posto de liderança na revolução industrial ecológica.
Eles exigem uma reforma do contrato social básico, com investimentos em educação que vão desde a pré- -escola até a educação superior, sistema de saúde pública universal e uma previdência social efetiva. Tudo isso valeria a pena, se conseguíssemos ver os trabalhadores se organizando e exigindo salários decentes. Eles também pedem uma reforma tributária e o fim das guerras americanas no exterior, para conseguirmos colocar a casa em ordem. Por fim, querem reformas democráticas radicais.
Movimento civil
Será que o Movimento pelo Sonho Americano poderá galvanizar protestos que levem a mudanças fundamentais? O abismo entre Washington e o povo americano cresce a cada dia mais. Elementos de uma nova direção política a ser tomada envolvem energia limpa, o fim das guerras, investimento doméstico, novas estratégias industriais, a imposição de restrições a Wall Street, tributação progressiva e a proteção da previdência social e do sistema público de saúde. Todos eles contam com o apoio da maior parte dos americanos.
Mas, ainda assim, a população se desespera diante da possibilidade de que nada mude. Eles veem Washington como um lugar dominado por intrusos e pelo dinheiro das corporações – e suas esperanças têm sido esmagadas ao longo dos últimos três anos.
O desafio não é tanto o de convencer as pessoas da necessidade de reformas, mas antes o de dar a elas a esperança de que a mudança é possível. Isso exige um movimento civil. Esta é a hora de construí-lo.
Tradução Henrique Mendes
Texto publicado originalmente na revista The Nation
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