As caricaturas criadas pela política nunca se acomodam bem no Salão Oval. Eisenhower foi menos respeitoso com os militares do que parece, Kennedy não tinha qualquer compromisso com o papa, George W. Bush era mais esperto do que diziam e Barack Obama não tem liderado, como se pensa, os esforços da esquerda – muito menos em favor das liberdades civis erodidas desde o 11 de setembro de 2001.
Perseguindo tanto os terroristas quanto os criminosos comuns, Obama perpetuou tantas vezes as políticas administrativas de Bush que até mesmo os republicanos podem se dar por satisfeitos. Concedo que ele gerou indignação entre a direita quando tentou fechar Guantánamo e julgar os acusados do 11 de setembro em Tribunal Federal, e também que ele repudiou a política de tortura de Bush e Cheney exigindo que os interrogadores seguissem o Army Field Manual (Manual de Procedimentos do Exército). Seus indicados a cargos judiciários, moderadamente liberais, sendo dois deles para a Suprema Corte, não aumentaram seu crédito com a Federalist Society (Sociedade Federalista), que prepara jovens conservadores para a bancada.
Por outro lado, no que diz respeito às liberdades civis, pouca coisa em seu currículo poderia incomodar um republicano. Informações sobre os cidadãos têm sido livremente coletadas sem acompanhamento judicial. Pessoas livres de qualquer suspeita ainda são monitoradas através das mesmas ferramentas legais usadas na era Bush. O “segredo de Estado” é frequentemente invocado para anular processos de vítimas de abuso governamental. Delatores e dissidentes são perseguidos de forma agressiva, e agências federais resistem vigorosamente às investigações feitas sob as Leis de Liberdade de Informação (Freedom of Information Act).
O país continua vítima do stress pós-traumático do 11 de setembro, a despeito da morte de Osama bin Laden. O espectro do terrorismo ainda nos assombra, o FBI continua descobrindo pequenos planos e conspirações mortais e, por fim, os oficiais estão preparados para um ataque ainda maior. No decurso da história, Obama chegou cedo demais para ser o reformador das liberdades civis que muitos dos que o apoiaram em 2008 esperavam que fosse.
No passado, levou tempo até que o país corrigisse seus desvios dos princípios constitucionais, e ele só foi capaz de fazê-lo quando os temores pela segurança nacional cessaram: após a virtual guerra com a França que gerou as Leis de Sedição (Alien and Sedition Acts) sob John Adams, depois da Guerra Civil, das duas guerras mundiais e da Guerra Fria. Passada uma década desde o 11 de setembro, os americanos não se tranquilizaram, e Obama não pôde ainda nos levar a pensar sobre o que temos feito a nós mesmos.
Mero capricho
Os métodos antiterroristas estão sendo aplicados em investigações criminais. A polícia, enfeitiçada pela sua nova autoridade para vigiar e buscar, dispõe dessas ferramentas mais frequentemente do que deveria. Com o avanço da tecnologia, atalhos através das proteções constitucionais estão levando os investigadores à tentação de recolher dados confidenciais tanto de culpados quanto de inocentes, indiscriminadamente. O rastreamento de celulares é feito por alguns departamentos de polícia sem mandado, segundo a American Civil Liberties Union (União Americana dos Direitos Civis).
Lixo vasculhado
Apesar de tudo isso, a gestão Obama busca ainda maior autoridade. O FBI tem dado a seus agentes mais liberdade para coletar informações sobre cidadãos livres de qualquer suspeita, seguindo-os por longos períodos, garimpando bancos de dados comerciais e de agências ligadas à aplicação da lei e até mesmo vasculhando o lixo das pessoas à procura de informações comprometedoras que possam obrigá-las a se tornarem informantes. Adespeito de todas essas intrusões, o Senado votou unanimemente pela extensão em dois anos do mandato do diretor do FBI Robert Mueller, a pedido de Obama.
A administração fez ainda uma petição à Suprema Corte pelo poder de atuar sem o mandado que a Quarta Emenda torna necessário, a fim de instalar secretamente aparelhos rastreadores de GPS em veículos, de modo que o investigador possa fazê-lo por mero capricho e sem ter de pedir a permissão de um juiz – isto é, sem um documento comprovando que há razões para suspeitar de que provas de um crime serão descobertas. Tribunais de instância inferior julgaram de diferentes maneiras a questão e, portanto, a Suprema Corte tratará do caso no final deste ano.
A administração argumenta que o aparelho de GPS é apenas um método de alta tecnologia que facilita a perseguição de um suspeito, que de qualquer forma já não esperaria total privacidade em uma via pública. O Tribunal de Recursos dos EUA de Washington chegou a uma conclusão diferente, observando que a grande quantidade de informações envolvida pode, sim, ameaçar a privacidade dos cidadãos, ainda que cada etapa da investigação se dê em um ambiente público. “Alguém que sabe tudo sobre as viagens realizadas por outra pessoa”, concluiu o tribunal, “é capaz de deduzir se ela é o típico sujeito que frequenta a igreja aos domingos, um alcoólatra, um viciado em academia, um marido infiel, ou membro de algum grupo político – e não apenas um desses fatos sobre o cidadão em questão, mas todos os fatos”. O governo evidentemente quer saber de tudo isso.
Tradução Henrique Mendes
Texto originalmente publicado na revista The Nation
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