Desde a era Reagan, os republicanos descrevem sua coalizão política como um “banquinho de três pernas”. Conservadores fiscais, conservadores da segurança nacionale conservadores sociais juntos comandariam os destinos do partido. Esse banquinho retórico é frequentemente utilizado como um objeto cênico nos espetáculos de luta livre: para esmagar políticos recalcitrantes até a submissão.
Mas a metáfora também implica uma divisão de trabalho: o conservadorismo fiscal seria da alçada da classe empresarial ou de libertários republicanos; a segurança nacional seria tratada pelos neoconservadores; e em algum lugar, no interiorzão dos EUA, a direita religiosa iria distribuir panfletos sobre o aborto e bater às portas na hora da eleição.
Esta imagem é uma mentira.
Com seu fervor militante, seu entusiasmo pelas ideias e sua influência eleitoral, os conservadores religiosos são a base do banquinho. Os brancos evangélicos protestantes compõem quase um terço do total do eleitorado, e quatro quintos deles votam nos republicanos. A direita religiosa está mais convencida do que os neoconservadores quanto à justeza dos EUA no seu exercício do poder militar, e mais empenhada do que Wall Street na redução dos impostos.
Historicamente, os evangélicos se comportaram de duas maneiras: ausência na arena política, ou um envolvimento inflamado, típico dos cruzados. Os evangélicos politiqueiros de hoje costumam citar o movimento antiescravagista dos seus precursores do século XIX para fazer uma analogia com o seu ativismo antiaborto de hoje em dia. Eles levam o mesmo fervor para toda e qualquer batalha política.
“O evangelicalismo se desenvolveu ao mesmo tempo que o Partido Republicano, e houve uma certa concepção do mercado, dos indivíduos e das nações que ainda soa verdadeira para os evangélicos modernos”, observa Darryl Hart no seu ainda inédito livro From Billy Graham to Sarah Palin: Evangelical Protestants and the Betrayal of American Conservatism (De Billy Graham a Sarah Palin: os evangélicos protestantes e a traição do conservadorismo americano).
A narrativa midiática dotriunfo republicano de 2004 foi a narrativa do movimento Values Voter, que foi às urnas rejeitar o casamento homossexual em onze Estados, e acabou reelegendo o presidente Bush. Os evangélicos brancos eram o maior grupo demográfico ao lado de Bush, dando-lhe mais de um terço dos seus votos. A narrativa midiática da vitória republicana na eleição parlamentar de 2010 foi a narrativa do Tea Party, cujos filiados saíram de casa para votar contra o avanço do governo sobre a saúde, o resgate aos bancos e os gastosirresponsáveis. O Tea Party foi saudado como uma força nova e transformadora. Mas essas duas colunas de eleitores são oriundas do mesmo regimento evangélico.
Embora as organizações do Tea Party atraiam de fato um certo tipo de independente, Michelle Goldberg, da The American Prospect, observa algumas semelhanças inconfundíveis entre a direita religiosa e os novos revolucionários: “Ambos têm seus redutos no Sul branco, e ambos surgem de um sentimento de desapropriação furiosa, uma convicção de queo país que é deles por direito foi usurpado por sinistras elites cosmopolitas. Eles têm os mesmos políticos favoritos, especialmente Sarah Palin e a deputada Michele Bachmann”. Bachmann e o senador Jim DeMint, tradicionais favoritos dos cristãos conservadores, atualmente comandam o grupo parlamentar do Tea Party.
Ativismo de base
Em fevereiro, o Fórum Pew para a Religião e a Vida Pública divulgou um estudo mostrando que o Tea Party recebe um “apoio desproporcional” de evangélicos protestantes brancos, e que seus membros têm visões conservadoras não só nas questões econômicas como também nas sociais. Os militantes do Tea Party “são muito mais propensos do que o total dos eleitores registrados a dizerem que a sua religião é o fator mais importante na determinação das suas opiniões sobre essas questões sociais”.
Na pesquisa Pew, 59% dos entrevistados que disseram se identificar com o Tea Party declararam ser favoráveis à proibição do aborto em todas as circunstâncias, o que é 17 pontos percentuais a mais do que no eleitorado geral.
O sentimento antiaborto era mais forte entre esses simpatizantes do Tea Party do que entre os republicanos como um todo. Os evangélicos protestantes brancos tinham “cerca de cinco vezes mais propensão para concordarem com o movimento Tea Party do que para discordarem dele”. Outra maneira de ler a pesquisa do Pew é que a direita religiosa está desproporcionalmente mais comprometida com uma agenda de governo pequeno (“small-government”), em comparação ao eleitorado e ao Partido Republicano como um todo.
“Nunca esperamos pelo Tea Party”, disse Jordan Sekulow, do Centro Americano de Direito e Justiça, uma entidade cristã. “Já éramos ativistas de base antes de o Partido Republicano começar a abraçar o poder do ativismo de base. Não é que precisássemos ser convertidos a essas ideias ou tivéssemos de desenvolver um saudável medo de um governo federal grande. Ele já estava lá.”
De acordo com Joe Carter, editor evangélico da First Things e ex-assessor de Mike Huckabee, “a renda média anual da maioria dos cristãos conservadores é de US$ 50 mil ou menos – eles não estão preocupados com os impostos que a GE tem a pagar, é algo mais pessoal. E eles sabem que esse dinheiro é mais bem gasto na igreja deles do que pelo governo”.
O conservadorismo político dos evangélicos se solidificou na década de 1970. Com o esvaziamento da batalha sobre a segregação que havia dividido os evangélicos do Norte e do Meio-Oeste dos seus correligionários do Sul, a oposição ao aborto passou a uni-los. Figuras, como Al Mohler e Richard Land, da Convenção Batista do Sul (CBS), começaram a promover o trabalho de evangélicos nortistas, como Francis Schaeffer, num bem sucedido esforço para direcionar a CBSpara o conservadorismo teológico e político.
Os evangélicos se desligaram do Partido Democrata na década de 1970, e aderiram à coalizão de Reagan nos anos de 1980. Em 1992, quando Pat Robertson fez o seu discurso na convenção republicana de Houston, a oposição do partido ao aborto e à institucionalização da homossexualidade era tão sólida que ele dedicou apenas 160 palavras a esses assuntos.
Foram 660 palavras, 40% do discurso a respeito de impostos, gastos públicos e Estado do bem-estar social. Ele começou com um estrondoso elogio ao Partido Republicano: “Foram Ronald Reagan, George Bush e as políticas republicanas que colocaram o comunismo de joelhos”.
Restaurar a América
Os líderes evangélicos estiveram entre os mais inflamados defensores da Guerra do Iraque. Em 2004, Jerry Falwell qualificou a invasão e a ocupação militar como legítimas do ponto de vista bíblico e humanitário, citando a carta de São Paulo aos gálatas: “Carregai as cargas uns dos outros e assim cumprireis plenamente a lei de Cristo”. Robertson disse aos espectadores da sua rede de TV Christian Broadcasting Network: “Estamos em terreno sólido [no Iraque], não só em termos de conceitos cristãos e bíblicos, mas também em termos de relações públicas”. Mesmo quando o humor da opinião pública em relação à guerra já havia azedado, Ralph Reed, ex-líder da Coalizão Cristã, chamado a se retratar, disse: “Apoiei a guerra na época, e a apoio agora”.
Sekulow organizou o abaixo- assinado “Líderes Cristãospor um Irã Não-Nuclear”, que teve as adesões de todos os luminares da direita religiosa, do ativista católico Deal Hudson até o pastor John Hagee, que comanda uma megaigreja dos que esperam o arrebatamento. Sekulow diz que, para os seus colegas de conservadorismo cristão, segurança nacional significa “antes de mais nada uma defesa nacional que não deve desculpas a ninguém; significa que não vamos pedir desculpas por defender nossa nação”. Segundo Sekulow, os cristãosnão estão marchando sob as ordens dos neoconservadores. “É uma ideologia semelhante até certo ponto, mas chegamos a ela de maneiras diferentes”, afirma. “Para nós, não se trata de uma conversão da elite acadêmica ao excepcionalismo americano, nós já estávamos levantados para restaurar a América”.
Embora os neoconservadores tenham parecido isolados entre os pensadores republicanos da política externa ao apoiarem inequivocamente a guerra do presidente Obama na Líbia, eles encontraram companhia junto aos líderes da direita religiosa. “Acho que muitos americanos e a maioria dos batistas do Sul apreciam e concordam com a declaração do presidente Obama de que seria uma violação dos nossos valores e crenças permitir que seres humanos fossem massacrados por seu próprio governo, ao passo que teríamos a capacidade de conter tal carnificina com um exercíciorelativamente pequeno do poder militar americano”, escreveu Land, numa declaração em nome da Comissão deÉtica e Liberdade Religiosa.
Os cristãos conservadoresnão precisam que ninguém lhes diga que a América precisa ficar ao lado de Israel. O grupo de Hagee, chamado Cristãos Unidos por Israel (Cufi, na sigla em inglês), é mais apaixonadamente sionista do que qualquer neoconservador americano, porque seu mandato, segundo creem seus membros, deriva das Escrituras, e não de uma interpretação da necessidade política ou da afinidade cultural. Todos os anos, a Cufi levaa Washington uma das maiores plateias de cristãos conservadores. Hagee é capaz de lotar um centro de convenções, enquanto as confabulações neoconservadoras de política externa mal enchem uma sala de apresentações no Instituto da Empresa Americana.
Aliás, cada vez menos os cristãos conservadores precisam de uma lista de alvos ditada por terceiros. Milhares de cristãos politicamente ativos já embarcaram em missões de um mês no Terceiro Mundo, ou realizaram excursões de cunho fortemente político à Terra Santa. Suas igrejas têm congregações irmãs em pontos conturbados da África, América Latina e Paquistão.
Direita conservadora
As paixões nacionalistas dos conservadores cristãos são tão importantes para os candidatos e formuladores de políticas do Partido Republicano quanto as suas posições a respeito do aborto, ajudando a conectar o eleitor republicano médio às preferências de Dick Cheney e Paul Wolfowitz em termos de política externa.
Para Sekulow, é positivo o fato de os cristãos conservadoresestarem conduzindo o discurso não só nas questões sociais. “Como em qualquer movimento político, você começa com a sua questão central, mas, conforme amadurece, passa a se envolver em outras áreas”, diz ele. “O seu pessoal se torna mais envolvido no processo, e então começa a se sentir mais dono dos resultados, seja nas questões em que você começou ou naquelas às quais você chegou depois.”
Joe Carter acredita que “a razão para termos ‘conservadores econômicos’ e ‘conservadores da segurança nacional’ é que eles se separaram dos conservadores do interior”. A ideia da independência entre as três pernas do banquinho é uma ilusão criada pela mídia e por facções que habitam Washington e buscam se valorizar. Na maioria dos temas, os conservadores religiosos estão à frente dos seus parceiros de coalizão, indo mais rápido e mais longe do que as elites ligadas ao neoconservadorismo e às políticas de livre mercado.
Apesar de todo o escrutínio ideológico que os neoconservadores e o Tea Party têm recebido, nenhum deles teria influência para mover uma palha nos debates políticos da América sem a mão de obra, o entusiasmo e a liderança da direita religiosa. Os conservadores cristãos não abandonaram suas questões sociais – eles incorporaram a política externa e a política fiscal na sua guerra cultural em curso. Sua visão de mundo tem tanto a dizer a respeito de guerras, reforma da saúde pública e alíquotas tributárias quanto a respeito de aborto e ensino domiciliar. E agora todo mundo está escutando.
Tradução Rodrigo Leite
Texto publicado originalmente na revista The American Conservative
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