Há vinte anos, Tim Berners-Lee lançou a World Wide Web para um pequeno grupo de colegas apaixonadospor computadores. Hoje, este britânico de 56 anos, pai de dois filhos, separado, morando em Cambridge e desenvolvendo suas pesquisas no Massachusetts Institute of Technology, continua sendo um dos mais vigorosos defensores da internet. Todo esse sucesso, no entanto, tem o seu preço: não são poucos os malucos, visionários, curiosos de plantão que o procuram pedindo orientações, além da horda de crianças querendo ajuda para seus projetos escolares. E a expectativa é grande: todos esperam que ele seja uma espécie de ser humano open-source.
Berners-Lee não é um sujeito que gosta de aparecer e se promover. Prefere se esconder atrás de filtros de emails e funcionários superprotetores. Raramente dá entrevistas. É preciso ser persistente, mesmo correndo o risco de receber um “não”. “Eu estou muito ocupado”, justifica-se quando finalmente nos falamos por telefone.
Este homem, que é conhecido por preferir viver modestamente, dirigindo latas-velhas e usando jaquetas de nylon, nasceu em Londres, em 1955, filho de um casal de matemáticos. Estudou na Universidade de Oxford, onde se formou, em primeiro lugar, em Física, em 1976. Pouco tempo depois, em 1980, já era consultor na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear – conhecido como Cern –, em Genebra, na Suíça. Depois de passar um curto período fora, trabalhando como diretor de tecnologia da empresa Image Computer Systems, ele retornou para a Cern. E foi lá, em 1984, que ele começou a trabalhar com hipertexto para ajudar os pesquisadores a compartilhar informações.
Seu projeto poderia facilmente ser descartado como mais uma maluquice de um nerd de garagem remendando velhas peças eletrônicas: apesar de ter habilidade para construir um computador usando aço soldado e uma televisão velha, Berners-Lee era apenas mais um cientista de sandálias. “Eu queria construir um espaço criativo, algo como um cercadinho de areia, onde todos nós pudéssemos brincar juntos”, diz ele. “Tinha uma vida modesta e estava ocupado em pensar nas grandes questões. Eu estava escrevendo o código para a web. Minha prioridade era fazer com que mais pessoas a usassem, e eu procurava grupos que poderiam adotá-la. Eu só queria que o negócio levantasse voo.”
Primeiro website
Berners-Lee apresentou oficialmente seu sistema ao mundo no dia 6 de agosto de 1991 ao postar uma mensagem em um fórum on-line para desenvolvedores de programas de hipertexto. Naquele dia, ele colocou o primeiro website do mundo no ar: ele explicava o que era e como criar um website. A iniciativa não causou interesse imediato.
Naquela época, os fãs de computadores eram uma minoria, e seus esforços eram ruidosamente ridicularizadospelos moderninhos de então. Mas aos poucos a World Wide Web foi ganhando impulso, na medida em que o limitado grupo do início – cientistas da computação e agências militares e governamentais – foi se expandindo até atrair uma grande massa no meio da década de 1990. De acordo com o Internet World Stats, hoje mais de 30% da população global – mais de dois bilhões de pessoas – têm acesso à internet.
Berners-Lee poderia ter ficado bilionário se tivesse cobrado royalties pela sua invenção. Em vez disso, em 1994, ele a cedeu ao mundo de graça, sem patente. “Se eu tivesse transformado a web em um produto, alguém teria feito uma versão incompatível dela”, diz ele.
Ele libertou sua criação enquanto tentava, como bom pai cuidadoso, guiar seu caminho. Para isso, criou o Consórcio da World Wide Web (World Wide Web Consortium), com o objetivo de difundir altos padrões técnicos para a criação de websites, navegadores e aparelhos como televisores que ofereçam acesso a conteúdo on-line.
Ele admite que a web cresceu bem além das suas ambições iniciais. “Eu não imaginava que fosse chegar à escala atual. Só esperava que desse certo. Mas também esperava que fosse uma ‘Rede de Alcance Mundial’.” Mas, por outro lado, ele teme que sua invenção se torne um novo fator de desigualdade global, em vez de uma força positiva para a colaboração em massa. “Os analfabetos e os pobres urbanos estarão cada vez mais em desvantagem e correm o risco de ficar para trás. A web trouxe uma nova dimensão à disparidade entre o primeiro mundo e o mundo em desenvolvimento. Nós temos que começar a pensar no direito humano de conectar-se.”
E não é conversa fiada. Em 2008, ele lançou a Fundação World Wide Web, que faz campanhas para promover o uso da internet. Ele achava que a expansão global era desejável; agora, ele a considera essencial.
Grande cérebro
Para Berners-Lee, a comunicação contém o que há de mais promissor para a resoluçãode nossos problemas mais complexos. Quando pergunto o que lhe dá mais orgulho, ele diz: “que a World Wide Web seja uma plataforma aberta. Fico satisfeito que ela tenha sido formulada de uma maneira clara para que os programas possam conversar uns com os outros através da rede. Isso significa que há um espaço de informação onde você pode colocar tudo. Fico muito feliz quando alguém me diz, por exemplo, que encontrou alguma informação médica on-line que realmente mudou sua vida.”
Seu maior medo é que o oposto possa acontecer – que a web possa ser aniquilada por uma grande empresa ou por um governo. “Por isso eu defendo a neutralidade comercial na rede. Se grandes corporações controlam nosso acesso à internet e determinam os websites quepodemos visitar, sua abertura e sua natureza democrática estão perdidas”
Entretanto, interferências governamentais são frequentes, de acordo com dados da entidade Repórteres Sem Fronteiras. Quase toda a internet do mundo desenvolvido é moderadamente censurada pelas autoridades. Apenas um pequeno número de nações, como Mongólia e Madagascar, tem uma web completamente aberta.
Apesar de seus temores, Berners-Lee continua resolutamente otimista com relação ao futuro de sua invenção. “A web está atingindo a maioridade. Temos que olhar para ela e decidir como melhorusá-la para a ciência e a tecnologia. Acho que ela pode trazer avanços particularmente importantes”, afi rma.
Estas são grandes aspirações. Algumas décadas atrás, elas teriam parecido descontroladamente otimistas; hoje, elas parecem bem razoáveis. Se um inventor com um ego tipicamente infl ado tivesse criado a World Wide Web, ele certamente teria declarado sua genialidade e exigido o direito de levar sua criação à terra prometida. Mas não Berners-Lee. Suas ambições não são pessoais. Nenhuma pessoa pode liderar a web, acredita ele. A humanidade e a internet poderão progredir somente se nossos egos se unirem em um esforço global.
“Quando criei a web, queria incentivar a interconectividade criativa, para que pessoas de todo o mundo pudessem construir algo juntas. O objetivo é criar uma espécie de meta-cérebro – fazer com que vários cérebros conectados funcionem como um grande cérebro humano. Para isso, nós temos que confiar na humanidade. Eu acredito que a natureza humana, quando em equilíbrio, é maravilhosa. Se usarmos a web adequadamente, podemos intensificar isso.”
Tradução Carolina de Assis
Texto publicado originalmente na revista New Statesman
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