A esta altura, as virtudes da amamentação já são bem conhecidas: o leite materno protege contra a obesidade, as alergias, a síndrome da morte súbita infantil (SMSI) e a má dentição, entre outros problemas de saúde.
Às vezes, porém, por várias razões, algumas mulheres não podem amamentar. Mas uma dupla de cientistas argentinos pode ter acabado de resolver esse problema ao manipular geneticamente uma vaca para que ela produza leite humano.
Para realizar essa estranha proeza, uma equipe do Instituto de Pesquisas Biotecnológicas, do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária e da Universidade Nacional de San Martín recolheu genes humanos que contêm duas proteínas presentes no leite da mulher, mas praticamente ausentes no leite de vaca. Os cientistas então usaram as células para criar um embrião geneticamente modificado de bezerra, que foi implantado em uma vaca adulta. A bezerra nasceu em abril e recebeu o nome de Rosita. Segundo o jornal The Telegraph, cogitou-se batizar a bezerra com o nome da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, que educadamente declinou da honraria, perguntando: “Que mulher gostaria de ter uma vaca com o seu nome?”. Sábias palavras.
Quando adulta, Rosita deve produzir um leite semelhante ao humano, o que será “um fato de grande importância para a nutrição dos lactentes”, segundo nota do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária, com sede em Buenos Aires.
Sorvete de leite
Já Nancy Mohrbacher, autora de quatro livros sobreamamentação, não tem tanta certeza: “Seria muito forçado afirmar que isso pode substituir o leite materno”, diz ela. Isso ocorre em parte porque o leite de vaca precisa ser processado antes de ser vendido no mercado. Soubemos recentemente que, aparentemente, o mesmo vale para o próprio leite materno: lembre-se do burburinho em torno do sorvete de leite materno em Londres, em março deste ano. O processo de refino exigido para qualquer leite poderia eliminar parte daquilo que faria inicialmente o leite de Rosita se parecer com o humano.
“O leite materno contém células vivas”, explica Mohrbacher. “Se esse leite, seja ele qual for, e por mais diferente que seja do leite de vaca normal, for vendido às mães, ele será processado, e assim qualquer aspecto vivo do leite será morto, porque isso acontece durante qualquer processamento.”
As células vivas são uma parte importante daquilo que torna o leite materno benéfico para as crianças. Os leucócitos, por exemplo, são encontrados no leite materno que ajudam a combater infecções. Pelo raciocínio de Mohrbacher, tais células – por estarem vivas – provavelmente seriam mutiladas no processo de refino, deixando esse leite de vaca “humanizado” menos saudável do que o produto verdadeiro. Esse processamento, porém, não necessariamente destruiria todos os benefícios semelhantes ao do leite materno na substância pois certas proteínas e enzimas boas para os bebês poderiam provavelmente resistir à pasteurização.
Mesmo assim, a equação econômica da produção em escala do leite de vaca “humanizado” é bastante complicada. E, digamos, inquietante. Uma Rosita já é suficientemente esquisita. Já pensou um rebanho inteiro?
Tradução Rodrigo Leite
Texto publicado originalmente no site da revista Mother Jones
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