Segundo dados oficiais, cerca de 16 mil empresários palestinos têm autorização para circular e investir em Israel
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O investimento privado palestino em Israel alcançou em 2010, segundo uma estimativa conservadora, US$ 2,5 bilhões, e pode ter chegado a US$ 5,8 bilhões segundo um cálculo mais otimista. Para efeito de comparação, o investimento privado palestino dentro da Cisjordânia foi, em 2011, de apenas US$ 1,5 bilhão.
Essa é a surpreendente conclusão obtida por Issa Smeirat, que, para sua dissertação de mestrado em economia, fez a primeira pesquisa do gênero sobre esse fenômeno, sua dimensão e suas implicações — questões que até agora não haviam sido discutidas na literatura profissional.
Se esses US$ 2,5 bilhões tivessem sido investidos nos territórios da AP (Autoridade Palestina), estima ele, o dinheiro poderia ter criado 213 mil empregos para os palestinos. De acordo com os dados oficiais, cerca de 16 mil empresários das áreas palestinas da Cisjordânia, portadores de autorizações permanentes para a entrada em Israel, já fundaram companhias e vários tipos de fábricas em Israel e nas zonas industriais dos assentamentos judaicos da Cisjordânia e pagam impostos ao Tesouro israelense.
Smeirat examinou as motivações para essa decisão, que é politicamente muito delicada, especialmente nos últimos anos, com a crescente convocação a um boicote a Israel ou aos produtos dos assentamentos. Por causa desse caráter delicado, Smeirat não mencionou nominalmente os investidores, nem revelou detalhes que pudessem sugerir sua identidade.
Em conversa com o Haaretz, ele disse que, no decorrer da sua pesquisa, o Ministério de Economia Nacional da Autoridade Palestina, que encabeçou a campanha pelo boicote aos produtos dos assentamentos, deixou claro que o Acordo de Paris (o pacto econômico entre Israel e a AP) não proíbe investimentos em Israel e nos assentamentos. Ativistas políticos e sociais palestinos que tiveram acesso às conclusões do estudo disseram que ficaram chocados com a dimensão do fenômeno.
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O primeiro investimento
Smeirat, 43 anos, é de Belém, na Cisjordânia. Ao final do verão boreal, sua dissertação de mestrado foi discutida na Universidade Al Quds, em Abu Dis. Ele recebeu informações básicas sobre os investidores de governadorias da Cisjordânia com autorização de entrada em Israel e contatou diretamente 540 deles. Entregou questionários detalhados a 420 (dos quais 374 responderam), e também se reuniu com 120 deles para entrevistas individuais. Dessa maneira, ele conseguiu traçar um interessante perfil sociológico, que se somou aos seus cálculos e estimativas econômicas.
A amostra de Smeirat revela, entre outras coisas, que a maioria dos empresários conhece o idioma hebraico e que mais de metade deles tem mais de 40 anos. Esses dados apontam para uma geração que cresceu numa época em que Israel permitia uma movimentação quase livre de palestinos (até o começo da década de 1990), e que estava familiarizada com a sociedade israelense (ao contrário das gerações mais jovens). Assim, por exemplo, 23% deles haviam trabalhado em Israel antes de abrirem uma empresa no país, geralmente no mesmo setor em que atuam agora. Apenas 0,5% deles disseram não falar hebraico. Quase metade também fala inglês, uma cifra compatível com o fato de um quinto dos entrevistados relatarem que seus investimentos estão divididos entre Israel, os assentamentos, a Cisjordânia e o exterior. Um quinto dos entrevistados disse investir só em Israel e nos assentamentos. Quase 90% relataram que sua primeira experiência com investimentos foi em Israel.
Quase um quarto dos investimentos está dirigido à indústria, o que indica que, à medida que os investidores israelenses se deslocaram para a alta tecnologia, oportunidadesse abriram em setores produtivos tradicionais, e investidores palestinos as ocuparam.
Sócios fictícios
Dos investimentos em construção, 45% estão direcionados à infraestrutura e 38% à construção de casas. O investimento anual de um quinto destes capitalistas fica em US$ 100 mil ou menos; 13,9% investem US$ 6 milhões ou mais por ano. De acordo com essa amostra, 37,2% dos investidores tinham uma renda anual de até US$ 100 mil, 39,6% ganhavam até US$ 500 mil, 12,8% recebiam até US$ 1 milhão por ano, e 10,4% tiravam mais de US$ 1 milhão.
Os dados também indicam que, dos 16 mil investidores, 3.300 são da região de Hebron, 3.100 de Ramallah, 3.000 de Nablus e 2.000 de Belém. Apenas 1.000 vêm da Governadoria de Jerusalém (que fica fora dos limites municipais hierosolimitas). Mas também na própria Jerusalém Oriental, diz Smeirat, o número de investidores palestinos em Israel é relativamente pequeno, apesar de eles não estarem sujeitos às mesmas restrições de mobilidade e exigências burocráticas que os moradores da Cisjordânia.
O baixo número é um indicador do processo de empobrecimento da sociedade palestina em Jerusalém Oriental sob o domínio israelense. Uma olhada nos dados cadastrais das companhias palestinas mostra que, embora 23% tenham residentes palestinos de Jerusalém como sócios, na verdade às vezes isso é sinal de uma sociedade fictícia, destinada apenas a facilitar os procedimentos burocráticos. Outros 16,6% estão em sociedade com um cidadão palestino de Israel, 16,3% estão em sociedade com um judeu israelense, e 8,8% informaram que seu sócio judeu entrou apenas para dar cobertura, recebendo para isso uma comissão paga numa vez só ou regularmente. Também há 20% de subcontratadas de companhias israelenses.
Ao contrário das motivações habituais para investir em países estrangeiros, não é a mão de obra barata que motiva os palestinos a investirem no território do Estado ocupante. Os investidores palestinos trazem consigo esses trabalhadores, diz Smeirat. Às vezes, eles empregam judeus em cargos de gestão. Muitos investidores contaram a ele que pagam altos salários a judeus que anteriormente serviram ao Exército, à Administração Civil ou ao serviço de segurança Shin Bet em cidades palestinas da Cisjordânia. O principal papel deles é facilitar os procedimentos burocráticos adicionais que todo empresário palestino encontra.
Margem de manobra
Até agora, supunha-se que os empresários palestinos estivessem envolvidos principalmente em relações comerciais com Israel, mas sem
investir dinheiro no país. Segundo Smeirat, há na AP quem estime que os investimentos palestinos alcancem no máximo US$ 1 bilhão. Seja qual for a cifra, as publicações oficiais não incluem o investimento palestino nos cálculos dos investimentos estrangeiros em Israel.
Fontes da AP calcularam a poupança dos palestinos em cerca de US$ 7 bilhões. Dessasoma, diz Smeirat, cerca de US$ 5 bilhões estão investidos no exterior (sem contar os investimentos em Israel), seja em ações ou em investimentos diretos. Isso indica a ausência de uma atmosfera econômica adequada na Cisjordânia para os investimentos e o desenvolvimento.
Smeirat acha que as restrições militares impostas no passado por Israel e as restrições impostas ainda hoje à economia palestina são os principais fatores por trás do investimento palestino em Israel. No entanto, na opinião dele a AP tem margem de manobra para melhorar as condições, de modo a atrair pelo menos parte dos investimentos — e dos investidores — de volta à Cisjordânia.
O domínio de Israel sobre 60% da área da Cisjordânia, seu controle sobre os recursos hídricos, as restrições ao movimento de produtos e pessoas dentro e fora da Cisjordânia, o bloqueio aos produtos palestinos do mercado israelense, o prolongado processo para a importação de matérias primas e exportação de produtos — todas essas limitações fazem com que os custos industriais palestinos sejam muito superiores aos israelenses. A terra para arrendamento ou compra é mais cara por causa da sua escassez, a água e a eletricidade custam mais, e o tempo de espera de um industrial palestino por matérias primas é mais longo do que para o seu colega israelense. Portanto, a produção nas áreas da AP na Cisjordânia são 30% a 40% mais caras do que a produção em países vizinhos.
Essas são as principais razões que impelem os palestinos ricos a investirem em Israel. Ao mesmo tempo, os investidores também são empurrados para Israel por causa da fraqueza das leis e do Judiciário palestinos, da gestão incompetente e de um sistema tributário que eles dizem não encorajar os investimentos. Eles são atraídos pela proximidade geográfica com Israel, pelo ambiente empresarial mais amistoso e experiente, pelas desenvolvidas relações israelenses de comércio internacional, pelo fácil acesso aos bancos e pela familiaridade com a sociedade israelense e o seu funcionamento (em comparação com a falta de familiaridade com o sistema de outros Estados).
Smeirat ainda perguntou aos entrevistados no seu estudo se eles desejavam voltar e investir nas áreas da Cisjordânia. Em 35,3% dos casos, a resposta foi negativa, 28,9% disseram que voltariam se a AP gerisse melhor a economia, e 35,8% responderam que voltariam se as condições melhorassem (com empréstimos e melhor infraestrutura, por exemplo).
Tradução por Rodrigo Leite
* Texto publicado originalmente no jornal de Israel, Haaretz
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