Retrato de Dilma Rousseff pintado pelo artista francês Thierry Ehrmann. Imagem via Abode of Chaos
As mulheres já são maioria no mercado de trabalho, nas universidades e mesmo no eleitorado (51,90% do total). Entretanto, ainda são poucas as que ocupam cargos em casas legislativas e no Executivo. O assunto volta à tona em anos eleitorais como 2012, quando se disputarão eleições municipais. Este pleito, porém, vem com uma novidade. Pela primeira vez o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) obrigará todos os partidos a destinarem pelo menos 30% de suas candidaturas para um dos gêneros, além de apoio financeiro e espaço no programa eleitoral gratuito para o sexo minoritário na disputa.
As cotas foram definidas pela lei 9.504/97, a chamada Lei Eleitoral. Contudo, sua redação sugeria tratar-se de uma reserva de vagas. Em 2009, uma reforma eleitoral alterou o texto, que passou a afirmar que cada sigla ou coligação deverá preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.
Para a integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e militante da Marcha Mundial das Mulheres, Sônia Coelho, apesar de limitadas, as cotas representam um avanço. “Todas as políticas afirmativas e que servem como instrumento para combater as desigualdades são importantes”, diz.
A socióloga Joluzia Batista, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), também destaca a importância das cotas. “São pequenas conquistas que, inclusive, dão visibilidade à participação política das mulheres na sociedade”, complementa.
De acordo com o TSE, a mudança teve como objetivo aumentar o número de mulheres na disputa, devido à constatação de que, dentre os candidatos efetivamente lançados pelos partidos e coligações, a grande maioria eram homens.
Segundo dados divulgados pelo órgão eleitoral, ao todo são 15.304 candidatos a prefeito inscritos. Destes, 1.907 são mulheres (ou 12,5 % do total). O número aumentou em relação ao último pleito municipal, em 2008, quando havia 1.641 mulheres candidatas, dentre 15.903 candidatos, o que corresponde a 10,3%.
Em 45 municípios, no entanto, já se sabe que haverá uma prefeita, já que nestes locais só há mulheres na disputa pela prefeitura nas eleições de outubro.
Dificuldades
As mulheres têm presença forte e ativa em sindicatos, organizações populares e movimentos sociais – em alguns, como o de moradia, chegam a ser maioria. Entretanto, a mesma participação não se efetiva no sistema político-eleitoral.
Dentre as razões para o baixo número de candidatas e, principalmente, eleitas, Sônia Coelho aponta a estrutura do próprio sistema, que não dá oportunidades para que haja igualdade na concorrência.
“Em uma cidade como São Paulo, não é segredo para ninguém que uma pessoa, para se eleger vereadora, precisa ter dois milhões de reais e uma capacidade de negociação financeira e de articulação que, muitas vezes, as mulheres não têm”, diz.
A discriminação costuma começar dentro dos próprios partidos, que costumam priorizar a candidatura de homens. Com isso, o grosso das verbas e do tempo de televisão acaba em mãos masculinas.
“As condições são criadas para que os homens sejam eleitos, não as mulheres”, diz a Secretária Nacional de Mulheres do Partido dos Trabalhadores (PT), Laisy Morière Cândida Assunção, que ainda destaca um ponto curioso. “Uma parcela considerável das mulheres que têm sucesso, das que são eleitas, ou são esposas ou fi lhas de políticos”, afirma.
Aliado a isso, segundo a Secretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Vera Soares, está a sobrecarga de trabalho, que acaba prejudicando as mulheres durante a construção de uma candidatura.
“A mulher tem dupla jornada de trabalho e a política vai implicar uma terceira jornada. São algumas dificuldades decorrentes do papel da mulher na sociedade, e os partidos acabam não contribuindo”, afirma Vera.
Para Laisy, o sistema político-eleitoral reproduz e até exacerba a desigualdade ainda existente entre homens e mulheres, baseada na ideia de que a mulher deve ficar responsável pela família e ao homem cabe o trabalho e a participação na vida pública. “Nós ainda temos uma sociedade muito preconceituosa em relação à participação das mulheres na política, muito machista, que ainda pensa que a política foi criada pelos homens e para os homens”, afirma.
É por isso que Laura Cymbalista, da Executiva do PSOL de São Paulo e do Setorial de Mulheres do partido, acredita que as mulheres que militam dentro dos partidos têm a obrigação maior de cobrar de suas legendas a garantia de participação das mulheres.
Segundo ela, é preciso assegurar, sobretudo, que os partidos não coloquem “candidatas-laranja” apenas para se adequar à lei. “Nosso esforço é para que sejam candidatas de verdade, que tenham estrutura, organização e condições de fazer sua campanha”, diz.
Reforma política
Diante de tantas disparidades, a reforma política é apontada como alternativa para corrigir as distorções e aumentar as chances das mulheres. A adoção de listas fechadas e alternadas, por exemplo, poderia impulsionar a eleição de mais representantes do sexo feminino. Por meio desse método, os eleitores não votariam mais em candidatos de forma individual, mas sim em um grupo de nomes previamente definido pelo partido.
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Outro ponto considerado essencial é a aprovação do financiamento público para as campanhas. “Se as campanhas tivessem um financiamento público, mais claro e transparente para toda a sociedade, com certeza as mulheres teriam mais chance e acesso aos meios financeiros do que os homens”, explica Sônia Coelho, da SOF.
“Tem que repensar o jogo, não basta achar que a questão das cotas resolve, porque cota é o mínimo. Temos que discutir como um todo, o que faz alguém ganhar”, salienta Laura Cymbalista.
Compromisso
Apesar de defenderem um maior número de mulheres em cargos, todas são unânimes ao afirmar que sua eleição não garante o compromisso e o avanço da pauta feminista.
“Não basta ser mulher para ter um entendimento da sua subordinação”, defende Vera Soares, da Secretaria de Políticas para as Mulheres. “Se as mulheres eleitas têm esse compromisso com a agenda da transformação do papel da mulher na sociedade, elas certamente levarão esse compromisso consigo na sua atuação”, argumenta.
A própria eleição de Dilma Rousseff para a Presidência da República no Brasil, para Laura Cymbalista, foi prova disso. Em vez de pautas voltadas à valorização e autonomia das mulheres, lembra, o assunto principal do pleito, especialmente no segundo turno, foi a questão do aborto, com vitória do conservadorismo.
“A eleição da primeira mulher, que poderia ser comemorada, mostrou como as forças conservadoras conseguem modelar a pauta daqueles que querem estar no poder”, afirma a militante do Psol, que vai além: “a gente quer sim presença na política, mas que essa presença reflita as bandeiras históricas que as mulheres têm”, diz.
Por seu lado, a socióloga do Cfemea, defende que é preciso pensar a eleição da mulher apenas como um primeiro aspecto. O segundo – e obrigatório – é a construção de uma agenda dedicada à questão de gênero. “A gente defende uma agenda que possa apresentar outras possibilidades de autonomia, de educação, de emprego, de querer casar, de não casar”, conclui Joluzia Batista.
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Publicado originalmente no site Brasil de Fato
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