Os maiores hotéis do país permanecem quase vazios durante o dia; política externa afeta o turismo iraquiano
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O homem que tem o emprego mais complicado do Iraque trabalha em uma espelunca de Bagdá, cheia de escritórios cobertos de calendários de 2008 (“O Ano do Progresso e da Reintegração no Iraque”) e de anúncios publicitários amarelados que anunciam os mais luxuosos hotéis da cidade, anteriores à guerra. Seu nome é Liwass Semeism e ele é o ministro do Turismo e de Antiguidades do Iraque, incumbido de persuadir estrangeiros de que um país tomado por anos de guerra brutal e instabilidade política é o lugar perfeito para as próximas férias.
“O turismo no Iraque é complicado”, contou-me Semeism, um ex-dentista, durante minha visita ao seu escritório, no último outono. “Há muitos, muitos desafios.” Muitos dos hotéis do país não foram renovados desde os anos 70 ou 80, suas estradas e rodovias estão esburacadas e cheias de escombros, e a visita a museus e locais históricos exige o acompanhamento de seguranças armados. Já que os cartões de crédito são virtualmente inúteis no Iraque, os visitantes devem carregar quantidades desconfortavelmente grandes de dinheiro vivo.
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Semeism dribla essas limitações convidando os turistas em potencial a focar a atenção nos milhares de anos de civilização no Iraque, em vez de atentar para aquilo a que ele se refere como “dificuldades recentes”. Ele observa que o Iraque possui lugares sagrados para todas as três principais religiões do mundo, incluindo o local de nascimento de Abraão, ao sul da cidade de Ur, o sepulcro do profeta Jonas (conhecido pelos muçulmanos por meio de seu nome árabe, Yunus), ao norte da cidade de Mosul, além de algumas das mais antigas igrejas e mosteiros em operação do mundo. “O Iraque, com toda a sua história, com todas as suas civilizações, não precisa de publicidade”, diz Semeism, apontando para maquetes do zigurate de Samarra — um dos cartões postais mais conhecidos do país — que preenchem as estantes de livros vazias de seu escritório. “O mundo todo conhece a história do Iraque.”
Quando conversamos, Semeism também apontou suas esperanças em Basra, cidade do sul rica em petróleo, escolhida em 2009 como sede da Copa do Golfo de 2013, um torneio de futebol regional muito popular. Em uma viagem subsequente a Basra, eu vi guindastes de construção amarelos posicionados sobre o esqueleto de um estádio de futebol arquitetonicamente impressionante, de 65 mil lugares, em construção para o torneio. As autoridades locais esperam tantos visitantes que estavam planejando ancorar cruzeiros ao longo do principal canal de Basra para abrigar o fluxo.
Semeism, um homem corpulento, de fala mansa, com um sorriso rápido, juntou-se ao partido político do clérigo xiita Moqtada al-Sadr em 2005, mantendo seu posto desde 2006. Durante os piores dias da guerra civil no Iraque, os predecessores de Semeism se esforçavam em desencorajar turistas ocidentais interessados em visitar seu país, persuadindo-os a não vir. Em uma entrevista no final de 2004, Ahmad al-Jobori, o ministro do Turismo do Iraque na época, disse-me que o país era muito perigoso para visitantes estrangeiros. “Eu entendo que muita gente possa querer passar por uma aventura, mas o Iraque pode ser uma viagem só de ida”, ele disse então. “Esse simplesmente não é um lugar para turistas.”
Novos hotéis
Semeism, o que não é surpreendente, simplesmente ignora as questões de segurança. “Não estamos mais em 2004, nem mesmo em 2010”, me diz. Ele pode apontar alguns sucessos recentes. O ministério está ajudando um grupo de companhias privadas a construir 70 novos hotéis para os muçulmanos xiitas nos lugares santos de Najaf e Karbala, que atraem uma quantidade enorme de peregrinos. O governo do primeiro-ministro Nouri al Maliki também já gastou cerca de 50 milhões de dólares para reabilitar três dos maiores e mais prestigiados hotéis de Bagdá — o Palestine, o Ishtar Sheraton (que não tem qualquer ligação com a companhia Sheraton) e o Baghdad Hotel — como parte de um plano de 195 milhões de dólares para embelezar grandes áreas da cidade em preparação para o encontro da Liga Árabe, em maio.
O ministério imprimiu os primeiros panfletos de turismo em 2011 e começou a enviar livretos de quatro páginas para milhares de agências de viagens da região. As autoridades planejam comprar cada vez maiores espaços para anúncios nos principais jornais de língua árabe e revistas, até o fim do ano.
Em alguns aspectos, os esforços parecem estar surtindo efeitos. O número de turistas visitando o Iraque cresce rapidamente. Semeism estima que cerca de um milhão e meio de pessoas visitaram o país no último ano. No entanto, a equipe de Semeism confessa, em uma conversa privada, que os números não contam a história toda. A grande maioria dos visitantes é constituída de peregrinos xiitas do Irã, que vêm em caravanas para visitar as mesquitas de Najaf e Karbala. Os ocidentais ainda evitam o Iraque; a equipe do ministério estima que menos de 200 turistas dos Estados Unidos, Reino Unido e outros países ocidentais vão visitar o país este ano.
O ministro ainda espera atrair mais turistas ocidentais enviando uma exposição móvel de antiguidades iraquianas para cidades da Europa e, eventualmente, da América, um projeto atualmente impedido por complicações burocráticas e de orçamento. No meio tempo, ele divulga a mensagem que, espera, conquistará os ocidentais mais céticos: “Quero dizer aos americanos: ‘O país está seguro e aberto para os negócios. Você é bem-vindo para vir e ver com seus próprios olhos’”.
Tradução por Henrique Mendes
* Texto publicado originalmente na revista mensal norte-americana The Atlantic
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