Obedecendo a uma lei não escrita segundo a qual nenhuma boa ação fica impune, às 20h45 do dia em que Paris inaugurou sua frota de 250 veículos totalmente elétricos, um deles atropelou uma mulher que não escutou sua aproximação. A prefeitura se apressou em garantir à Agence France Presse que “foi um acidente viário como tantos que às vezes acontecem em Paris, mas a esta altura nenhuma vinculação pode ser estabelecida entre o acidente e o fato de que o carro não fazia barulho”.
Peut-être, peut-être pas, mas o incidente jogou gasolina — ou melhor, eletricidade — nas preocupações envolvendo os veículos silenciosos. Como disse certa vez ao The New York Times o ativista Eric Bridges, diretor de militância e assuntos governamentais do Conselho Americano dos Cegos, “um motor a combustão interna é uma pista para você”.
Dois anos atrás, o governo dos EUA deu aos fabricantes de automóveis prazo até setembro de 2017 para apresentarem uma solução. Depois dessa data, a Lei de Melhoria da Segurança do Pedestre prevê que em determinados momentos os carros deverão fazer um mínimo de barulho para alertarem os pedestres, especialmente os cegos.
Isso não significa que haja um acordo geral sobre como lidar com o problema — ou mesmo um acordo sobre a existência do problema. Ativistas antipoluição sonora, por exemplo, querem menos ruído ao invés de mais.
Fabricantes de veículos elétricos têm até 2017 para criar algum dispositivo que alerte os transeuntes
Ruído veicular
Nem todos concordam que veículos silenciosos representem um perigo claro e presente. Alguns argumentam que o problema é com os motoristas, que podem estar mandando mensagem de texto, falando ao celular ou se distraindo de outras maneiras.
Outro campo alega que quando houver mais veículos elétricos nas ruas nós seremos mais capazes de escutá-los. Outros dizem mesmo que os cegos deveriam tomar mais cuidado. Apesar disso, trabalhos como os que foram feitos em 2008 por Lawrence Rosenblum, da Universidade da Califórnia (em parceria com a Federação Nacional dos Cegos), e no ano seguinte pelo Conselho Nacional de Segurança do Tráfego Rodoviário, indicam que pedestres cegos ou com deficiência auditiva têm o dobro de chance de serem atropelados por um “carro silencioso” do que por um automóvel a gasolina, quando o veículo (relativamente) sem ruído está trafegando a uma velocidade baixa.
No cenário mundial, as Nações Unidas há quatro anos reuniram um grupo de especialistas em ruído veicular para examinar a necessidade de uma “sinalização acústica audível” para veículos silenciosos, e métodos para isso. A 55ª sessão do grupo ocorreu no mês passado em Genebra, onde, em meio a discussões sobre motos barulhentas e pneus mais silenciosos, especialistas dos Estados Unidos e Japão se dispuseram a assumir o “patrocínio técnico” para o desenvolvimento de uma regulamentação global que torne os veículos mais audíveis.
Enquanto isso, várias montadoras acrescentaram ruídos de diferentes formas aos seus carros silenciosos, embora alguns observadores digam que isso só complicou a situação. O híbrido Chevy Volt 2011, por exemplo, tem uma cigarra intermitente, mas o dispositivo é manual, o que significa que o motorista precisa ligá-lo e pode desligá-lo. O desligamento manual também aparece no Nissan Leaf 2011, totalmente elétrico, e no Fuga Hybrid Infiniti M35, da mesma empresa; e o som é contínuo quando o carro anda para frente, mas intermitente ao dar ré. O som é contínuo e automático no Fisker Karma 2011 e no Sonata Hybrid 2011 da Hyundai, e também nos modelos Prius 2012, da Toyota.
Rugido do escapamento
O empresário, inventor e engenheiro James F. Dunn, da Califórnia, patenteou outra solução, usando um arquivo de ruídos e tocando-os pelo sistema de som do carro, ou mesmo por alto-falantes voltados para o exterior. Como explica sua solicitação de patente, “o microprocessador pode produzir o som desejado por meio do sistema de som do veículo, em sincronização com as condições efetivas do motor e da transmissão do veículo que está sendo guiado”. Além disso, como o sistema dele é plugado no conector de diagnóstico pré-existente no carro, veículos que já estejam funcionando pelas ruas sem fazer barulho podem passar a produzir ruído.
Dunn explicou que “aparentemente ninguém está oferecendo soluções práticas para todos os [veículos híbridos e elétricos] já nas ruas, ou para os que serão vendidos sem um sistema de alerta” antes que a lei entre em vigor em 2017. “A beleza do nosso projeto é sua facilidade de instalação, praticamente ‘plugue e use’”.
Jim Dunn, que admite ter uma “relação profunda” com a “linda ressonância dos motores de combustão interna” — seu primeiro carro da empresa foi um Jaguar XKE V-12 ano 1971 —, há décadas pilota monopostos. Ele começou a gravar os sons do escapamento e do motor de carros de alto desempenho.
“Pensei que os compradores de carros elétricos poderiam gostar da ideia de poder optar entre uma variedade de sons de carros exóticos, mas, ao conversar com proprietários do Tesla, por exemplo, descobri que eles adoravam esse jeito ‘furtivo’ de andar silenciosamente; já os donos dos Prius e o pessoal que tinha tirado fina de pedestres disseram em peso que desejavam um carro que não fosse tão silencioso a baixas velocidades.”
Entre as várias sugestões dos sons a serem usados para alertar os pedestres estão: sinos, canto de pássaros, turbinas e (o favorito pessoal deste autor) o rugido do escapamento de carros esportivos musculosos, como as Ferraris.
Enquanto ele aguarda que o governo especifique seu mandato sob a Lei de Melhoria da Segurança do Pedestre (e procura uma empresa que tope sociedade para colocar o equipamento em produção), Dunn continua de olho no que as seguradoras vão fazer: “Os dados que eu vejo dizem que as seguradoras de automóveis precisam estar cientes da exposição financeira adicional a acidentes com lesão corporal causados por carros silenciosos”.
Tradução por Rodrigo Leite
* Texto publicado originalmente na revista norte-americana Pacific Standard
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