“O violeiro carrega a história do país no bojo da viola”, diz Pereira, que quer uma arte libertadora e revolucionária
Pereira da Viola, mineiro nascido em Teófilo Otoni, é lutador pelo fortalecimento da música de viola e um grande parceiro e militante dos movimentos sociais, principalmente o MST. Para ele, a arte só faz sentido quando está ligada a questões libertadoras do povo. Pereira da Viola acredita que apesar dos avanços no campo político da cultura no país, ainda há desafios principalmente no campo da cultura popular, em contraponto à ofensiva da cultura internacional.
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Qual a importância, a força da viola?
Ela vem para o Brasil com os portugueses, com os jesuítas, desde o início. Eles a utilizam no processo de catequização dos índios. A viola era um instrumento da Corte e, depois o brasileiro assimilou muito rápido o som do instrumento, que se tornou popular. Aí então já não interessa mais a Corte, passa a ser um instrumento popular, de gente pobre, “sem cultura”. Porque para o colonizador, cultura é só o que ele traz, os que estão aqui não sabem o que é cultura, não têm cultura. E ela sempre esteve então com o povo pobre. A viola teve seu período forte que foi com a música caipira. Mesmo nos anos 80, época da Madonna e Michael Jackson, a juventude da época comprava música caipira, vendia tanto quando Roberto Carlos. Mas era escondido, porque continuava sendo coisa de gente “sem cultura”. O que estamos buscando é esse novo olhar para a viola, olhar para sua importância histórica e cultural no Brasil. A viola é um universo à parte dentro da música, não só pela beleza de sonoridade que tem, mas por este aspecto histórico, de que o instrumento ajudou na construção cultural do Brasil. A viola acompanhou o processo todo, e ela interferiu nesse processo.
E o violeiro, o que tem o violeiro?
O violeiro, de alguma forma, carrega a história do país no bojo da viola e, por consequência, na memória. Todo violeiro, principalmente os tradicionais, carrega essa memória. Não essa tradição pela tradição, mas os aspectos culturais que fazem parte de um alinhamento, de um costuramento na junção principalmente das três etnias, do índio, o negro e o branco. É essa formação que o violeiro carrega, principalmente os violeiros populares. Isso é de uma importância muito grande para a manutenção da identidade brasileira. Sempre fiz questão de fazer uma parceria com o MST porque acho que no movimento eu tenho essa resposta ideológica sobre o que tem no instrumento, essa história. Temos casos e mais casos de violeiros que passaram por situações difíceis, enfrentaram sistemas dentro do seu local, sempre falando de injustiças, das coisas que oprimem o povo. O violeiro, de alguma forma, tem isso na sua essência. E a ideia era e continua sendo essa, de estar caminhando junto com um lado da sociedade que está fazendo um Brasil diferente, que está ligado a um processo de humanidade, que vai contra as injustiças. Hoje, do meu ponto de vista, falar de arte esquecendo da problemática humana não tem sentido mais.
A arte desligada deste viés, você ainda vê como arte?
Vejo, ainda vejo como arte. Por si só, ela se sustenta. No caso da música, que é uma coisa abstrata, não há explicação para determinados eventos que muitas vezes acontecem na vida de pessoas que têm acesso a sua música, independente de classe social ou a forma de ver o mundo. Ela se sensibiliza, capta imagens e visualiza coisas a partir de uma melodia, de um texto bem costurado. Isso, por si só se sustenta. Não tenho dúvidas.
E o que é dar sentido à arte, para você?
Todas as artes feitas como expressão de um sentimento interior do indivíduo se sustentam, não precisa de nada para existir. O que proponho é que o indivíduo que faz a arte, o artista, ele coloque essa arte a serviço de algo. De alguma forma, a arte tá batendo contra o tempo, contra a tônica, ela vai bater contra o óbvio. Ela já é revolucionária pela sua existência. Mas o artista, ele pode ser mais feliz fazendo essa arte libertadora, que questiona, mas também que dá alento, que dá colo, que dá estrutura. No meu caso, eu prefiro estar ligado aos movimentos sociais. Onde tem gente sofrendo opressão, fome, eu me sinto melhor quando ajudo dentro deste setor.
Como você vê a política no campo da cultura no Brasil nos dias de hoje?
Tivemos um avanço muito grande, a partir das políticas estabelecidas pelos ministros [Gilberto] Gil e Juca [Ferreira], a gente teve uma movimentação muito grande no país, uma mudança de percepção e de como lidar com a cultura. Principalmente no campo da cultura popular, está feita nas bases. Isso passou a ter valor, não só o valor de gueto, passou a ter uma perspectiva diferente.
Como você vê os programas de leis de incentivo à cultura?
As leis de incentivo, pra mim, já estão velhas. Foi uma forma que o governo encontrou, mas o que era para ser apenas um incentivo, se tornou uma condição pra se fazer arte. E a gente acaba tendo que lançar mão disso pra poder fazer alguma coisa. Mas eu acho que o aspecto está atrasado, foi bom, democratizou um pouco, mas o empresariado brasileiro continua longe dessa realidade, sem se preocupar com isso, como não se preocupa com muitas outras coisas. Ele ainda não entendeu o que é incentivo à cultura, o que é investir em cultura. É importante que as pessoas entendam que não há um retorno financeiro, e sim o retorno da possibilidade de termos uma sociedade mais coerente culturalmente, que não seja tão desagregada com a sua cultura e com a arte que a gente tem.
Como está o cenário da viola hoje no país?
Com esse processo dos encontros, que se intensificou em Ribeirão Preto, começou um movimento de encontro de violeiros no país todo. Teve alguns projetos importantes, como o Encontro das Cordas e o Violeiros do Brasil. Isso tudo deu uma balançada na história da viola no Brasil, a ponto de se criar uma especialidade do instrumento no curso de música da USP. Hoje, com esse novo olhar para o instrumento, do processo histórico dele, tenho uma proposta que estou construindo há uns três anos. É juntar a violeirada do país todo, num grande congresso nacional de violeiros. O meu olhar é que, além de festas, feiras de discos e palcos, nós aproveitamos para debater a questão do ensino da viola, como levar isso para as escolas. Porque, ao levar a viola para a escola, estamos levando a história do Brasil, que a viola carrega a história no seu bojo.
E os desafios?
Uma das coisas que a gente briga é para que seja natural a inserção da viola nos espaços de música, como festivais, que seja destinado um espaço para a viola. Uma das coisas que tem sido luta nossa é que tenham editais específicos para a viola. Eu proponho que constituamos o nome Música de Viola, para depois criarmos um edital para isso. Primeiro temos que adquirir este espaço, pra depois brigas por outros. O Samba tem seu lugar, a MPB tem o seu e nós queremos também um lugar garantido para a Música de Viola.
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