Saiba o que mais foi publicado no Dossiê #06: Pornografia
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Em uma reportagem publicada na revista New York em 2006, a escritora Naomi Wolf lançou o alerta: a pornografia está acabando com o desejo dos homens por mulheres de verdade. É de se espantar que hoje, seis anos depois, haja crianças na primeira série.
O pornô sempre teve muitos detratores, mas, desde que a internet o trouxe para dentro de nossas casas, ele tem sido responsabilizado por uma série de males do século 21. Fim de relacionamentos, violência, pressão sexual, problemas de autoimagem corporal entre as mulheres e disfunção sexual e vício em sexo entre os homens: o ávido consumo de pornografia é considerado por muitos a causa de todos esses tormentos.
Alguém pode argumentar que tudo isso já existia bem antes do surgimento dos sites de buscas. Henrique VIII certamente encarnava alguns males dessa lista. Mas não haveria um lado positivo em ter um mundo de maravilhas sexuais ao alcance dos seus dedos adultos? Vamos olhar além dos implantes e ver se — e quando — um pouco de voyeurismo faz bem.
No livro The Sunny Side of Smut, a autora Melinda Wenner Mover, da revista Scientific American, afirma que vários estudos sugerem que “o consumo moderado de pornografia não faz com que as pessoas se tornem mais agressivas, não promove sexismo nem prejudica relacionamentos. Alguns pesquisadores chegam até a sugerir que a exposição à pornografia pode fazer com que algumas pessoas se tornem menos propensas a cometer crimes sexuais.” Mover não acredita que isso seja uma prova de que o pornô diminui a ocorrência de agressões sexuais, mas Christopher J. Ferguson, professor de psicologia e justiça criminal no Texas, declarou à jornalista que os dados “não corroboram a teoria de que estupros e abusos sexuais são em parte influenciados pela pornografia”.
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Efeitos positivos
Em um estudo de 2007 com mais de 600 homens e mulheres dinamarquesas com idade entre 18 e 30 anos, os pesquisadores Martin Hald e Neil M. Malamuth pediram que fossem reportados os efeitos do consumo de pornografia hardcore em itens como “conhecimento sexual, atitudes com relação ao sexo, atitudes e percepção com relação ao sexo oposto, vida sexual e qualidade de vida em geral”. Participantes de ambos os sexos declararam que o pornô hardcore tinha um efeito positivo em suas vidas.
Donald Ardell, considerado um dos fundadores do movimento pelo bem-estar nos anos 1970, escreveu em seu livro A Wellness Perspective on Pornography que bem-estar diz respeito à qualidade de vida, e que a pornografia, com sua linhagem ancestral (ele menciona o Kama Sutra, cujas origens remontam ao ano 300) e seu vasto contingente de usuários, “parece aumentar a qualidade de vida — a não ser, claro, que seus consumidores sejam pegos no ato”. Ele cita a melhora do humor e o alívio do stress como dois possíveis efeitos positivos do pornô.
Em uma pesquisa da Universidade de Montreal, em 2009, os homens participantes disseram que o pornô não mudava suas atitudes com relação às mulheres ou influenciava seus relacionamentos. Uma curiosidade sobre esse estudo é que os pesquisadores até tentaram encontrar homens que nunca tivessem consumido pornografia, mas não conseguiram.
No mesmo ano, uma pesquisa realizada por Michael Twohig, da Universidade de Utah, perguntou aos estudantes se eles achavam que seu consumo pessoal de pornografia fosse um problema. Twohig concluiu que o pornô por si só não afetava a saúde mental dos universitários; o problema surgia quando eles tentavam controlar a vontade de consumi-lo.
Alguns estudos, portanto, indicam que o entretenimento adulto pode ter efeitos positivos. Haveria outros tipos de benefícios, mais difíceis de serem quantificados?
Tabus
A não ser por um breve momento nos anos 1970 em que casais iam juntos ao cinema assistir Garganta Profunda, ser visto como um consumidor de pornografia nunca foi algo muito desejável.
Nas décadas de 70 e 80, você tinha que ir a um cinema ou a uma locadora. Hoje, você pode bater uma punheta com uma mão enquanto baixa pornô grátis no seu celular com a outra, e ninguém precisa saber. Já que a pornografia é vista por alguns como algo “ruim e nojento”, diz Waxman, se você pode ter acesso a ela na privacidade do seu lar, por que não? Mas manter a pornografia em sigilo “cria segredos em outras áreas do relacionamento, e é por isso que as pessoas acham que o pornô é algo ruim ou do mal”, acredita Waxman.
A perpetuação do tabu também faz com que as condições de trabalho na indústria de conteúdo adulto sejam precárias, afirma a lenda do pornô Candida Royalle. Em 1984, Royalle fundou a Femme Productions, uma empresa de filmes eróticos voltada para casais. “Temos que tirar a pornografia do gueto se quisermos algo que tenha integridade, dignidade e algum valor”, acredita ela.
Você também pode aprender algo sobre o seu parceiro no processo. Descobrir que ele ou ela assiste pornô não precisa acabar em barraco; pode, em lugar disso, melhorar a comunicação entre o casal. “Dizer o que queremos na cama pode ser difícil para todos nós, principalmente para as mulheres”, diz Royalle. “Nós tememos ser julgados por nossos desejos. O pornô é como uma referência impessoal, que te permite dizer ‘olha o que eles estão fazendo. Você já pensou em fazer aquilo?’”
Catherine Salmon, professora de psicologia na Universidade Redlands e coautora com Donald Symons do livro Warrior Lovers: Erotic Fiction, Evolution and Female Sexuality, diz que o pornô pode ser um modo seguro de explorar fantasias que nós não temos intenção de realizar. Algumas mulheres adoram romances, e mesmo assim, diz ela, “há situações nesses livros que várias mulheres diriam nunca querer experimentar.”
“Eu acho que há algumas coisas boas que o pornô poderia trazer à tona, como a promoção do sexo seguro”, continua Salmon. O uso sistemático de preservativos, por exemplo, é uma oportunidade pedagógica que a mídia comum não aproveita. “Em filmes românticos convencionais ninguém saca uma camisinha antes do sexo”, comenta ela.
Moderação
A enorme variedade de pornografia disponível é uma ótima maneira de descobrir que você não está sozinho em seu tipo de corpo, seus interesses ou sua identidade sexual. Catherine Salmon acredita que o pornô é precioso para pessoas que não estão interessadas na sexualidade tradicional, heterossexual e convencional.
Jamye Waxman destaca o trabalho de Morty Diamond, cujo filme Trans Entities é um retrato real de um casal transgênero poliamoroso, e também a modelo plus-size e atriz pornô April Flores, que mostra mulheres lindas e confortáveis em seus corpos.
A ideia de que pornô demais vicia e faz o pipi murchar é explorada no artigo de Marnia Robinson na revista Psychology Today, com o título “Disfunção sexual induzida pela pornografia é um problema crescente”. A premissa básica é que homens que assistem muito pornô acabam dessensibilizando seus cérebros aos sinais de dopamina, até que eles não conseguem mais ter uma ereção sem o auxílio do pornô.
“Isso não me convence. A alegação de que eles estão entorpecendo os centros de prazer do cérebro é boa e abstrata, e também difícil de provar”, contesta Salmon. “Sempre desconfio quando alguém tenta tirar a responsabilidade das pessoas por suas próprias ações. Pornografia em moderação é igual a todo o resto — se não há dano, não há problema. Segundo Salmon, as mulheres também estão bem mais exigentes — “algo que as pessoas raramente consideram quando analisam a ansiedade masculina”.
Imagens
No livro The Porn Myth, Naomi Wolf afirma que “a invasão da pornografia é responsável pelo declínio do desejo masculino por mulheres de verdade e está levando os homens a considerar cada vez menos mulheres ‘dignas de um pornô’, o que faz com que as jovens sintam como se não pudessem competir com o que é visto no vídeo.”
“Se os homens são expostos a uma quantidade excessiva de imagens de mulheres bonitas, é óbvio que a percepção deles muda, mas isso não é exclusividade da pornografia”, afirma Salmon. De fato, um estudo da Universidade de Harvard concluiu que a visão de mulheres bonitas ativa o centro de recompensas no cérebro masculino da mesma maneira que chocolate, cocaína e dinheiro. Mas os exemplos usados no vídeo eram as atrizes Eva Longoria e Vanessa Williams, não estrelas do pornô. “É um problema da mídia, não da pornografia per se”, diz Salmon.
“Algumas mulheres, quando descobrem que seus maridos consomem muita pornografia, dizem que a ideia que elas tinham dele mudou — e isso obviamente não é bom para o relacionamento. Mas a questão é: quem você esperava que ele fosse?” pergunta Salmon. “As pessoas às vezes esperam um ideal puro e imaculado… e a realidade nunca é tão perfeita assim.”
Além disso, as mulheres na tela não são o problema, diz ela: é com as mulheres da vida real que ela deve se preocupar, já que é com elas que ele vai se relacionar.
Diferenças
Como lembra Candida Royalle, o Relatório da Comissão Meese, realizado durante o governo Reagan nos Estados Unidos e que recomendava o aumento da repressão à pornografia, veio logo depois do surgimento de outra mídia que trouxe o pornô para dentro de nossas casas: o videocassete. E, dessa vez, as mulheres começaram a se interessar.
“Acho que enquanto o pornô era algo que somente os homens assistiam, todos faziam vista grossa”, diz Royalle. “No momento em que esposas, namoradas, filhas e mães também passaram a ver, ele se tornou inaceitável. Espera-se que as mulheres sejam as guardiãs da moralidade, e quando até elas começam a consumir pornografia, a sociedade enlouquece.”
Entretanto, nem todas as mulheres querem fazer parte disso. Nem todo mundo se sente confortável com o pornô, e decidir aceitar ou não um interesse do parceiro pode ser um indicador sobre a saúde do relacionamento. “Aceitar o seu parceiro ou parceira como ele ou ela é também significa aceitar seus gostos e interesses”, acredita Catherine Salmon.
Mas o pornô pode ser um ótimo pretexto para aprofundar o diálogo no relacionamento. “Acho que ele pode proporcionar a oportunidade de tirar várias coisas do armário e realmente conversar sobre essas questões e o que elas significam para nós”, diz Royalle.
Então o pornô tem seu lado bom — como um instrumento de exploração das possibilidades sexuais, como um modo de trazer à tona discussões sobre desejos e problemas no relacionamento, como um dos benefícios de viver em uma sociedade em que todos temos de lidar com o fato de que outras pessoas têm gostos e interesses diferentes dos nossos. E também como um momento de diversão e fantasia para adultos. Essa é, afinal, a sua principal qualidade.
Tradução por Carolina de Assis
* Texto originalmente disponível na publicação Alternet.
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