Desde a madrugada, policiais do Batalhão de Choque cercavam terreno da aldeia próxima ao estádio do Maracanã
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Nem manifestações de resistência, nem ações judiciais da Defensoria e do Ministério Público conseguiram evitar que os índios que ocupavam a Aleia Maracanã fossem retirados do local em que estão desde 2006. Na manhã desta sexta-feira (22/3), o Batalhão de Choque invadiu o terreno do antigo Museu do Índio — localizado na zona norte do Rio de Janeiro, próximo ao estádio do Maracanã — e removeu manifestantes e os 14 indígenas que se recusavam a deixar o espaço. Do lado de fora, houve confronto das tropas da Polícia Militar, que valeu-se de bombas de efeito moral e spray de pimenta para dispersar o protesto Em carros do governo do estado do Rio, os índios seguiram para um terreno em Jacarepaguá, onde será construída uma nova aldeia.
Em entrevista concedida ao Brasil de Fato em fevereiro, Urutau Guajajara, uma das lideranças da aldeia, falou sobre as origens da ocupação e da resistência dos que ali viviam. Mais conhecido como Zé, do professor de línguas indígenas, conta que o prédio — que chegou a correr o risco de ser demolido, como parte das obras de infraestrutura da Copa do Mundo de 2014 — tem uma história centenária ligada à cultura indígena.
O que está acontecendo nas comunidades de vocês?
Zé Guajajara: Nossa luta tem sido mais intensa a partir de 2006, quando ocupamos o prédio do antigo Museu do Índio, abandonado desde 1977. Nossa ideia sempre foi a de devolver aos indígenas um patrimônio que desde a origem foi ligado a eles. Essa história remonta a 1865, quando o duque de Saxe doou o prédio ao Império brasileiro para a criação de um centro de estudo de sementes nativas e das populações indígenas que as manipulavam. De lá para cá, esse prédio já abrigou o Serviço de Proteção ao Índio, fundado pelo Marechal Rondon, que é a Funai (Fundação Nacional do Índio), até finalmente se transformar, em 1953, no Museu do Índio. Esse patrimônio tem sido inseparável das populações indígenas. Então, em 2004 reunimos indígenas de diversas etnias e tentamos a retomada do prédio, sem sucesso. Em 2006, já com maior número de indígenas e apoiadores, o retomamos com uma meta clara: a revitalização e gestão autônoma. Não existe no Brasil um patrimônio indígena pensado e administrado por indígenas. A partir do fim de 2012 o governador Sérgio Cabral veio nos ameaçar, dizendo que comprou esse imóvel e iria derrubar tudo para fazer qualquer coisa no lugar — shopping, estacionamento, nem o próprio governo sabe.
E como vocês têm articulado a resistência?
Zé Guajajara: Em 2010, participei de um encontro sobre Belo Monte. Havia estudantes de várioscampos de conhecimento e, no fim da minha fala, vários me cercaram e perguntaram: “Estamos sabendo que o governo do estado está ameaçando retirar vocês. O que vocês, indígenas, vão fazer em relação a isso?” Eu respondi a pergunta com outra pergunta: ora, nós, indígenas, estamos lá, defendendo o patrimônio. Mas e vocês? O que vocês, população, irão fazer por aquele lugar? A partir daquele momento, os estudantes começaram a se mobilizar. Então nosso discurso passou a ser o de que esse patrimônio é muito pesado só para nós, indígenas. É preciso que venham todos, e convoquem toda a comunidade científica, críticos de todas as áreas de conhecimento, ONGs, enfim, toda a sociedade civil para essa luta aqui.
Já que vocês já tocaram no assunto da cobertura da mídia, como tem sido a relação com os veículos de imprensa?
Zé Guajajara: Com a gente não é diferente. Fica claro pra quem os grandes meios de comunicação trabalham. Às vezes parece que sai uma ou outra matéria boa. Mas a gente tem que fazer uma análise nas entrelinhas. Por exemplo, eles nunca mostraram a parte cultural, a parte imaterial. Sempre apenas um conflito entre indígenas e poder público. Apesar de o presidente do Crea [Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura] vir aqui e afirmar que a estrutura do imóvel é perfeitamente recuperável mesmo após 30 anos de abandono, os grandes meios de comunicação insistem em dizer que o prédio está em ruínas – e, portanto, tem que vir abaixo.
O que cada um aprende com a luta do outro e como vêem o futuro?
Zé Guajajara: A única diferença entre nós aqui é que a luta desses outros companheiros é específica para moradia. No nosso caso, já sabemos o tipo de destinação que queremos para o antigo Museu do Índio. Defendemos cinco: uma delas é moradia sim, por que não? Mas, acima de tudo, estão as destinações cultural, educacional, imaterial e religiosa.
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