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Da colina que se eleva sobre Keratsini, a área comercial do porto de Pireu, vê-se uma imensa esplanada de cimento sempre coberta por centenas de contêineres metálicos. Dentro deles há artigos alimentícios, móveis, metais e outras mercadorias. Às vezes eles são embarcados, outras, descarregados. Administrando as operações estão sempre os onipresentes funcionários da Cosco.
A Cosco é uma grande empresa chinesa e uma das protagonistas do mercado mundial de transportes marítimos. Em 2009, graças às privatizações dos bens públicos impostas por Bruxelas, pelo Banco Central Europeu e pelo Fundo Monetário Internacional ao então governo Papandreou, a Cosco “alugou” uma parte da área de Keratsini. Antes e depois da assinatura do acordo, que delega à empresa a gestão de alguns molhes por 35 anos em troca de cinco bilhões de euros, os sindicatos de Atenas protestaram veementemente, denunciando a importação do modelo chinês de trabalho: poucos direitos e baixos salários. Já para a imprensa grega a chegada da Cosco ao Pireu é só o primeiro passo de um processo de colonização que levará todo o Mediterrâneo a falar chinês dentro de poucos anos. Veremos.
No entanto, até agora, a certeza são os números, que mostram que o investimento da Cosco tem se revelado bastante acertado. Nos primeiros quatro meses de 2012, o movimento em Keratsini aumentou 154%. Um ótimo resultado. Tanto que Wang Xingu, diretor de operações da empresa, afirmou que para a Cosco não faz diferença nenhuma se a Grécia continua no euro ou volta ao dracma.
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A aristocracia dos mares
A Cosco é um exemplo entre os poucos que, apesar da crise e da queda das atividades produtivas e comerciais e contração do crédito, conseguem lucrar pelas bandas da Acrópole, permanecendo imunes à sorte — ou azar — do país.
Assim como os chineses, algumas poderosas famílias de armadores gregos também fazem bons negócios. Como John Coustas, que com a sua Danaos Corporation registrou em 2011 um lucro de US$ 13,4 milhões. O próprio Coustas explicou ao Financial Times o motivo pelo qual ele e seus colegas não só não sucumbiram à crise como também seguem acumulando riqueza. “A navegação não tem nenhuma relação com o Estado grego”, afirmou. De fato, as embarcações dos armadores frequentemente navegam sob bandeiras de outros países; sua mão de obra é formada por trabalhadores da Europa Oriental, da Ásia e da África; seus escritórios são em Londres e Nova York, e suas transações dependem da economia global e não do país de origem.
Sem contar que os armadores não devem nada ao Estado grego com relação aos lucros derivados de atividades internacionais — o que está inclusive previsto na Constituição grega de 1967.
Joias de família
Diferentemente da Cosco e dos armadores, os negócios dos proprietários de casas de penhores estão completamente vinculados à Grécia e aos gregos, pois só podem exercer sua atividade onde são registrados e têm como clientes os cidadãos helênicos.
O fenômeno das casas de penhores na Grécia é impressionante. Até pouco tempo atrás, em todo o território nacional, o número de estabelecimentos podia ser contado nos dedos de uma mão. Hoje, são centenas. Somente em 2011 cerca de duzentas casas foram abertas, segundo dados do The New York Times. Um reflexo da situação real da Grécia: há pessoas que não sabem mais o que fazer e, na tentativa de amealhar algum trocado, começaram a vender as joias da família.
Viagens
Entre os que fazem dinheiro com a crise grega estão também os elementos que lucram com os pobres que buscam uma vida melhor na Europa Ocidental via Grécia.
O país helênico sempre foi território de trânsito de migrantes. Eles provêm, na maioria, do Oriente Médio, principalmente do Afeganistão, Iraque e Curdistão turco. Os traficantes — geralmente pequenos núcleos de pessoas e não grandes grupos criminosos — os acompanham até o destino desejado ou pelo menos tentam, pedindo em troca determinada quantia.
Ultimamente os negócios vão bastante bem, graças a duas razões. A primeira é que o Estado grego, que já tinha dificuldades para conter o fenômeno, cortou os fundos destinados ao combate à atividade. A segunda é que o aumento da fiscalização na margem meridional do Mediterrâneo redesenhou as rotas de migração vindas da África. Não se desembarca mais na Sicília, mas sim na Grécia.
Michael O’Leary, o número um da aérea de baixo custo Ryanair, torce pela bancarrota da Grécia. Segundo o seu raciocínio, a saída do euro e a volta ao dracma poderiam determinar custos muito mais acessíveis nas localidades turísticas gregas, e assim fazer aumentar consideravelmente o fluxo turístico. Se as coisas realmente acabassem assim, a empresa aérea irlandesa estaria pronta a colher os frutos, e O’Leary se tornaria um dos poucos privilegiados que conseguiriam, com a Grécia cada vez mais fundo no buraco, encher o cofrinho.
Tradução de Carolina de Assis
* Texto originalmente publicado na revista Studio
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