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A Venezuela é a quarta potência da América do Sul. Tem uma população de 30 milhões de habitantes. Em 2011, o PIB alcançou a marca de US$ 343 bilhões, o que resulta em um valor de US$ 11,4 mil per capita, um dos mais altos da região. No mesmo ano, o saldo comercial positivo chegou a US$ 46 bilhões de dólares, obtido principalmente pela exportação de petróleo. Durante quase seis anos, diferentes blocos nos Congressos do Brasil, Uruguai e Paraguai impediram a entrada da Venezuela no Mercosul. O último bastião de resistência era o Senado do Paraguai. O golpe parlamentar contra o presidente Fernando Lugo culminou com a suspensão da moeda guarani do bloco e terminou, dessa forma, facilitando a entrada da Venezuela.
O novo sócio no Mercosul revela que o bloco não está agonizando, como postula a expressão do desejo dos setores conservadores que alardeiam qualquer diferença comercial entre os sócios. Pelo contrário, a incorporação da Venezuela é um dos fatos mais relevantes desde a constituição do Mercosul.
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Os economistas Alejandro Robba, Agustín D’Attellis e Emiliano Colombo elaboraram um relatório ilustrativo sobre as mudanças que ocorrerão no Mercosul com a entrada da Venezuela. O PIB em dólares do bloco passará por um aumento de 11%, elevando o valor total do PIB-Mercosul de US$ 2,96 trilhões para US$ 3,28 trilhões. A população do Mercosul atingiu a marca de cerca de 245 milhões de habitantes e, com a Venezuela, a soma totalizará 275 milhões de pessoas. O volume do comércio exterior do Mercosul nos últimos anos vem crescendo em média 20% ao ano, com exportações totais aumentando 28% em 2011, em relação ao mesmo período de 2010, e 232% em relação a 2003.
Já as importações em 2011 cresceram 23,6% em relação ao ano anterior, e 383% desde 2003. A Venezuela ampliaria o tamanho das exportações do Mercosul em 20% (US$ 92 bilhões), além do aporte do PIB (11%). A estrutura das exportações venezuelanas é dominada praticamente pelo petróleo, que compõe 95% do total. As importações da Venezuela expandiram-se a uma taxa de 20% em 2011, totalizando US$ 46 bilhões, o que representa 12% de todas as importações do Mercosul.
“A oportunidade do comércio para os países acentua-se de forma notável, uma vez que a Venezuela assume o papel de terceiro mercado em importância de tamanho no Mercosul”, afirmam Robba, D’Attellis e Colombo.
Papel de destaque
A relevância da soma da Venezuela somente pode ser ignorada por aqueles que minimizaram o acordo inicial de integração Argentina-Brasil.
Em um mundo onde as potências econômicas convivem com os descalabros financeiros, estagnação, restrições de direitos de trabalhadores e aposentados, a ampliação do Mercosul é um avanço substancial para enfrentar com melhores ferramentas o novo cenário mundial.
A ortodoxia recusa essa possibilidade não apenas porque seus postulantes estão subordinados aos interesses dos Estados Unidos que combatem Hugo Chávez. Ela o faz fundamentalmente por uma questão conceitual que pressupõe a integração passiva à economia mundial. Sustenta que as economias nacionais são segmentos do mercado mundial, que determina a distribuição de recursos e a posição de cada uma delas na divisão internacional do trabalho, nas correntes financeiras, nas cadeias transnacionais de valor e na criação e gestão do progresso técnico. Disso deriva a proposta de política econômica baseada na abertura incondicional ao mercado mundial, a especialização na exportação de matérias primas, na redução do Estado à mínima expressão e no abandono de toda intenção de construir projetos nacionais de desenvolvimento.
Negociações
As contribuições do economista argentino Raúl Prebisch, destacado intelectual da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), foram essenciais na construção de uma nova visão da problemática latino-americana nas décadas de 1950 e 1960. Prebisch escreveu em Capitalismo periférico: crise e transformação que “se as perspectivas dos centros não são favoráveis para o intercâmbio com a periferia, por que continuar desperdiçando o considerável potencial do comércio recíproco? É razoável continuar insistindo em uma liberação do intercâmbio com os centros, quando apenas conseguimos liberar timidamente o intercâmbio entre países da periferia?”
O bloco regional tem problemas e fragilidades, teve conflitos e especulações e os continuará tendo. Apesar das restrições, o Mercosul é uma ferramenta poderosa da América Latina para disputas em um mundo aberto, globalizado, dominado por blocos econômicos regionais. Isso não significa que não haja desafios complexos daqui em diante. A incorporação da Venezuela vai alterar a dinâmica do funcionamento do Mercosul, onde duas grandes potências (Argentina e Brasil) discutem com intensidade seus temas bilaterais de comércio, enquanto os irmãos menores (Uruguai e Paraguai) são espectadores dessa contenda. Surgirá agora um terceiro participante para discordar. Ele não é tão grande, nem tão pequeno, e tem um poder nada desprezível ao contar com um recurso apreciado e estratégico, como o petróleo.
As negociações serão diferentes, mesmo que Argentina e Brasil continuem tendo um peso relevante na estrutura de poder da América Latina, pois a posição não será tão fechada, uma vez que passará a ser necessariamente um pouco mais flexível e, portanto, dará uma maior vitalidade ao bloco mais importante da integração regional.
Tradução por Mari-Jô Zilveti
* Texto originalmente publicado no jornal Página/12
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