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Os túneis subterrâneos da faixa de Gaza, ligando o enclave bloqueado ao Egito, servem como uma corda de segurança que permite que 1,6 milhão de palestinos sigam com suas vidas, embora sob condições cruéis. Os túneis se tornaram o símbolo da resistência empreendedora dos palestinos.
Mas, para o artista Mohammed Abusal, eles são muito mais do que um símbolo e neles se pode ter uma visão a longo prazo do futuro — um trem de metrô subterrâneo que resolveria os problemas de congestionamento e de poluição em Gaza.
A ideia soa absurda em um tempo no qual os materiais de construção foram completamente proibidos por Israel na faixa, sem mencionar os ataques aéreos semanais aos túneis e ao restante da infraestrutura civil. Mas Mohammed Abusal, de 35 anos, fala seriamente sobre o assunto. Tão seriamente que ele já desenhou sua própria concepção da malha metroviária de Gaza em um projeto.
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Solução visual
“Irrita-me que Gaza seja tão densamente povoada e tumultuosa. Não há um sistema de transporte público”, explica Abusal. “Quando o cerco nos foi imposto e os túneis começaram a funcionar, recebemos muitos veículos do Egito. Muitos carros antigos passaram a ser consertados e começamos a utilizar uma gasolina mais barata e altamente poluente”.
A ideia ocorreu-lhe em sua última visita a Paris, onde morou como artista residente e realizou sua primeira exposição individual. “Eu usava o metrô o tempo todo, então me ocorreu que essa era uma solução excelente, que dispensa o uso da gasolina, é bom para o meio ambiente e encoraja as pessoas a usar o transporte público para chegar a qualquer lugar. Então comecei a pesquisar o assunto. Visitei a empresa francesa que desenvolveu o trem do metrô e discuti com eles exaustivamente sobre as características de Gaza e as possibilidades do terreno. Em Gaza, nós agora somos experientes em cavar buracos e túneis subterrâneos”.
Curiosidade
Às vezes, é difícil saber se Abusal está fazendo graça, dando continuidade à ironia presente em sua instalação no Centro Cultural Francês da Cidade de Gaza. Nela, o artista sugere a presença de um sistema metroviário com o sinal “M” em fotografias por toda a faixa de Gaza, da área dos túneis, em Rafah, até o porto de Gaza, ao norte.
O mapa da malha metroviária, desenhado com o mesmo programa usado pela empresa francesa de trens, levou dois meses para ser finalizado. “Eu desenhei um grande ‘M’ para indicar as paradas do metrô subterrâneo, bem como alguns sinais divertidos que podem ser usados nas rodovias de Gaza. Em seguida, coloquei-os em 70 pontos diferentes da região e os fotografei. O mais interessante foi a reação das pessoas. Muitas ficaram surpresas de uma maneira positiva; passaram a pensar sobre a ideia e a discuti-la. Alguns fizeram piadas e outros se sentiram perdidos, mas, ainda assim, envolvidos. Alguns me disseram que com a situação de segurança atual e os ataques diários de Israel, talvez não fosse uma opção segura. Foi fascinante conseguir a resposta das pessoas. Eu queria que elas sentissem que, temporariamente, tinham uma solução, que havia mesmo uma estação de trem.”
O empreendimento artístico de Abusal quer, de alguma forma, apresentar uma ideia como se ela já fosse parte da realidade cotidiana. Imaginando um metrô em Gaza e ignorando todos os problemas trazidos pelo bloqueio — mais especificamente a proibição de importar materiais de construção —, Abusal apresenta esta alternativa como se ela fosse uma opção imediatamente viável.
“Aqui, eu apresento 30 fotografias realizadas na faixa de Gaza — lugares muito normais — mas com algo totalmente novo. Há um sinal de metrô. Esta é a minha experiência e, na exposição, exibo não somente pinturas ou fotografias, mas uma mistura de tecnologia, ciência e arte.”
Abusal está totalmente consciente dos enormes obstáculos que o projeto enfrentaria, embora ele acredite na sua viabilidade. “Pode dar certo. Se a situação política tornar-se mais estável, então nós teremos um ambiente que encorajará investimentos na faixa de Gaza. A situação política é o que controla todos os nossos sonhos.”
Em última instância, para Abusal, este projeto, bem como os túneis de Rafah, são um símbolo da resiliência palestina e de seu amor pela vida. “Neste projeto, pretendo criar uma nova consciência entre os líderes palestinos, mostrar a eles no que podemos pensar. Não estamos felizes com a ocupação, com o cerco e com esta divisão entre Hamas e Fatah.”
Para Abusal, o artista não deve pertencer a nenhum grupo ou facção da Palestina. O artista tem sua própria linguagem e pode apresentar alternativas e soluções. “Nós também resistimos por meio da arte”.
“Eu sou um artista, não uma vítima. Eu não gosto quando estou em uma exposição e as pessoas comparecem apenas por solidariedade. Espero que nossa arte esteja nos melhores museus porque é boa, não porque somos refugiados”, afirma.
Tradução por Henrique Mendes
* Texto originalmente publicado no site Babelmed
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