Plenário da Câmara abriga 513 deputados federais eleitos por mais de 130 milhões de pessoas
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Muitos são os chamados, poucos os escolhidos. A frase bíblica cabe na medida para definir a dinâmica de funcionamento da Câmara dos Deputados, a mais numerosa e popular das duas casas que formam o Congresso Nacional (a outra é o Senado). São 513 deputados federais eleitos por mais de 130 milhões de eleitores para representá-los na Câmara. Mas poucos entre eles reúnem a influência e a capacidade de articulação necessárias para levar um projeto de lei — de sua própria autoria ou de um colega — até a etapa final do percurso legislativo: a inclusão na Ordem do Dia para votação no plenário.
A pesquisadora Graziella Guiotti Testa investigou os atributos que distinguem da maioria de seus colegas os deputados que ela chamou de “proativos” — aqueles capazes de conseguir a inclusão dos projetos de seu interesse na Ordem do Dia. Em sua dissertação de mestrado, defendida no Instituto de Ciência Política da UnB sob a orientação do professor Lúcio Remuzat Rennó, ela traçou um perfil para essa minoria: parlamentares já experimentados em diversos mandatos, com passagem por cargos nas comissões especializadas ou na direção da Câmara e bem relacionados com a liderança de sua bancada. Pertencer ao partido no governo também é uma vantagem considerável, mas o deputado deve ser capaz, além disso, de articular uma base ampla que inclua colegas de diversos partidos e estados.
Arnaldo Faria de Sá, deputado por São Paulo e vice-líder do PTB, é um nome que se enquadra nesse perfil. Parlamentar com sete mandatos consecutivos e trânsito fácil entre as lideranças partidárias, ele se tornou conhecido como especialista nas questões da Previdência Social. Além disso, participou da elaboração da Constituição de 1988 e entende como poucos do Regimento Interno da Câmara, o que lhe permite manobrar suas pautas com eficiência.
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Proativos e reativos
Se esse retrato coincide quase ponto a ponto com aqueles parlamentares que a imprensa convencionou chamar do “alto clero” do Congresso, na verdade há aí mais do que uma simples coincidência: há indícios do que Graziella chama de um déficit institucional, um “vácuo representativo” que relega a maioria dos deputados à categoria que ela batizou de “reativos” — parlamentares que têm pouca capacidade de incluir demandas próprias na pauta da Câmara.
A cientista política procurou avaliar o poder de cada deputado na hora de definir a agenda de votação da Câmara — ou seja, os projetos de lei que serão levados ao voto em plenário. São poucos os que chegam lá: entre 2007 e 2010, de 5.244 propostas consideradas em condições de ser votadas, 798 chegaram ao plenário e só 320 foram efetivamente votadas — pouco mais de 6% dos projetos preparados pelas comissões. Os demais terminaram nos arquivos da Câmara ao se esgotarem seus prazos de tramitação. Os números demonstram que a importância e a efetividade de um parlamentar se medem não apenas pela forma como ele vota no plenário, mas também, numa etapa anterior, por sua capacidade de influenciar a agenda de votação. Graziella afirma que hoje, num ambiente de pluralismo político, o próprio conceito de poder passa pela capacidade de decidir a agenda de debates. “Talvez o poder de agendamento seja tão fundamental quanto o poder de decisão, de voto”, afirma. “É a segunda face do poder”.
Para encontrar uma medida dessa capacidade, a pesquisadora identificou dois fatores significativos dentro do intrincado ritual legislativo: o primeiro é o Requerimento de Inclusão em pauta, instrumento usado para pedir que projetos sejam incluídos na Ordem do Dia de cada sessão e, dessa forma, apresentados ao plenário para serem votados. O segundo fator é o Colégio de Líderes dos partidos, em cujas reuniões semanais são aceitos ou não os requerimentos feitos pelos parlamentares.
Prazos
Imaginemos uma grande mesa retangular no gabinete do presidente da Câmara dos Deputados. Em torno dela, todas as tardes de terça-feira, tomam assento os líderes dos 22 partidos representados na Câmara, por sua vez cercados por 30 a 40 assessores, de pé. Nas mãos dos assessores, entre outros documentos, estão os requerimentos de inclusão na pauta para aquela semana. Nessas reuniões decide-se o que vai entrar na pauta de votação do plenário.
Um esclarecimento importante: projetos e propostas de autoria dos próprios parlamentares sempre saem atrás dos textos enviados pelo Governo Federal. O Executivo não só tem a iniciativa exclusiva de propor leis em um leque amplo de assuntos — matérias administrativas, orçamentárias e boa parte das tributárias, por exemplo – como dispõe ainda das Medidas Provisórias, que entram em vigor no ato de sua edição e têm preferência na pauta de votação.
Projetos com origem no Executivo também gozam de prazos de tramitação mais urgentes. Uma proposta de um parlamentar tem prazo de 40 sessões para ser deliberada nas Comissões especializadas, enquanto uma do Executivo tem de ser votada em 10 sessões, se chegar ao Congresso em regime de prioridade, ou em apenas cinco, em regime de urgência. “Elas sempre passam à frente na fila”, afirma Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho, diretor de documentação do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).
Trator executivo
O resultado é que, desde a Constituinte de 1988, 86,6% das leis aprovadas no Brasil vieram do poder Executivo e apenas 13,4% foram propostas por deputados e senadores. Para sobrepujar esse “trator” do Executivo, o deputado precisa de requisitos especiais. “Ser muito articulado em seu partido ou em frentes parlamentares, ter o apoio de segmentos da sociedade ou do setor empresarial”, resume Toninho. Ele aponta um artifício usado por alguns parlamentares para driblar esse obstáculo: mudanças de seu interesse, por meio de emendas, em projetos de lei que tratam de assuntos diferentes e medidas provisórias enviadas pelo Executivo ao Congresso. Pegar carona nos projetos do governo pode ser, às vezes, um caminho mais eficiente do que propor legislação nova a partir do zero.
O caminho para o deputado que pretende se tornar influente é conseguir que seu partido o indique para tarefas parlamentares com mais visibilidade — a relatoria de matérias importantes, por exemplo — que o credenciem a ocupar cargos nas comissões e na vice-liderança de sua bancada. O parlamentar precisa acumular experiência e prestígio entre seus pares e na mídia, enfim, o que depende em grande parte de construir uma boa relação com o líder de seu partido.
Alguns poucos novatos conseguem se destacar já no primeiro mandato por seu preparo, conhecimento especializado e facilidade de articulação. Toninho aponta nesta legislatura, por exemplo, o deputado Amauri Teixeira (PT-BA), ex-subsecretário de Saúde em seu estado. Mas são exceções. Em geral, o caminho é longo e toma vários mandatos. Graziella Testa sugere ao recém-chegado montar uma equipe que inclua assessores e funcionários experientes no dia a dia parlamentar. “Geralmente, eles trazem pessoas de muita confiança pessoal e pouco conhecimento”, ela observa.
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