Saiba o que mais foi publicado no Dossiê #07: Educação Sem Fronteiras
Leia as outras matérias da edição nº 7 da Revista Samuel
É hora do show de perguntas e respostas sobre o jeito americano de fazer guerra. São três questões, extraídas diretamente do noticiário mais recente. A seguir, a primeira delas. Boa sorte!
Em agosto de 2012, 200 fuzileiros navais dos EUA iniciaram operações em qual país?
a) Afeganistão b) Paquistão c) Irã d) Somália e) Iêmen
f) África Central g) Norte do Mali h) Filipinas i) Guatemala
Apoie a imprensa independente e alternativa. Assine a Revista Samuel.
Se você optou por qualquer resposta de “a” a “h”, parabéns pela boa tentativa. Afinal de contas, há uma guerra americana em curso no Afeganistão e, em algum lugar na parte sul daquele país, 200 fuzileiros da Marinha americana podem muito bem ter se envolvido em uma operação. No Paquistão, uma guerra aérea não declarada e controlada pela CIA está acontecendo há muito tempo e, no passado, as forças operacionais especiais dos EUA realizaram travessias armadas de fronteiras, além de ataques aéreos, embora sem o envolvimento da Marinha.
Quando se trata do Irã, o aumento contínuo do poder naval dos EUA no Golfo Pérsico, de forças terrestres em bases ao redor daquele país, do poder aéreo (e defesa antimísseis) na região deveria deixar qualquer observador sem fôlego. Há forças de operações especiais dos EUA próximas à fronteira do Irã e a CIA espiona regularmente o país. Em conjunto com os israelenses, Washington lançou uma guerra virtual contra o programa nuclear e os sistemas de computadores do Irã. Portanto, ainda não há 200 soldados da Marinha em operação no Irã.
Na Somália, de acordo com o blog Danger Room, da revista Wired, houve muito mais voos teleguiados e ataques contra o movimento extremista islâmico Al-Shabaab e elementos da Al-Qaeda, por parte dos EUA, do que se estimava. No Iêmen, assim como na Somália, a combinação é de guerra por procuração e de ataques por aeronaves teleguiadas (bem como por aviões pilotados), com alguns oficiais de forças especiais dos EUA agindo no solo, e as mortes de civis aumentando na parte sul do país. No entanto, como na Somália, a Marinha não está envolvida. África Central? Esta é difícil. Afinal de contas, pelo menos cem boinas verdes foram enviados este ano para lá como parte de uma campanha contra o Exército de Resistência do Senhor, de Joseph Kony, em Uganda. Quanto ao norte do Mali, tomado por extremistas islâmicos (incluindo um grupo afiliado à Al-Qaeda), a região certamente se apresenta como um futuro alvo para a intervenção dos EUA. Mas há 200 fuzileiros da Marinha operando em áreas beligerantes da África? Ainda não. Quando se trata das Filipinas, novamente, não há fuzileiros navais no local, ainda que as forças especiais dos EUA e aviões não tripulados tenham ajudado o governo em um conflito menor com militantes islâmicos da ilha de Mindanao.
Resposta certa
Surpreendentemente, a res-posta correta é a alternativa “i”. Em 29 de agosto, a Associated Press relatou que uma “equipe de 200 fuzileiros da Marinha americana começou a patrulhar a costa ocidental da Guatemala em uma operação sem precedentes para conter o tráfico de drogas na região da América Central, disse um porta-voz militar dos EUA”. Isso poderia ter sido uma grande notícia. Trata-se de uma intervenção de peso: 200 soldados enviados para uma ação em um país onde nossa última intervenção militar ocorreu em 1978. Além disso, há uma história aqui. Afinal de contas, na primeira parte do século passado, enviar a Marinha era a forma pela qual Washington demonstrava seu poder no “quintal”. No entanto, jamais houve, nesse país, qualquer debate ou discussão a respeito da validade de tais operações.
No momento, parece, um círculo histórico está sendo fechado com a Marinha mais uma vez se dirigindo à América Latina, enquanto a “guerra contra as drogas” proclamada por Washington há alguns anos torna-se, efetivamente, uma guerra contra as drogas. É uma demonstração de que, hoje em dia, quando Washington vê um problema em qualquer parte do mundo, sua postura em “política externa” é provavelmente a de solicitar a força militar dos EUA. Cada vez mais, a força militar deixa de ser nosso último recurso, tornando-se nossa primeira opção.
Agora, vamos a mais uma questão sobre o recente noticiário de guerra:
Em 2011, que percentagem do mercado global de armamentos os EUA controlavam?
a) 37% (US$ 12,1 bilhões), seguidos pela Rússia (US$ 10,7 bilhões), França, China e Reino Unido.
b) 52,7% (US$ 21,3 bilhões), seguidos pela Rússia com 19,3% (US$ 12,8 bilhões), França, Reino Unido, China, Alemanha e Itália.
c) 68% (US$ 37,8 bilhões), seguidos pela Itália com 9% (US$ 3,7 bilhões) e pela Rússia com 8% (US$ 3,5 bilhões).
d) 78% (US$ 66,3 bilhões), seguidos pela Rússia com 5,6% (US$ 4,8 bilhões).
A resposta correta para o ano de 2011 é a mais improvável de todas as alternativas. Os EUA, na verdade, triplicaram suas vendas de armas no último ano, atingindo um recorde e controlando quase 78% do comércio mundial do setor. Isto foi divulgado no final de agosto, mas, como ocorreu com a notícia dos 200 fuzileiros navais na Guatemala, nunca chegou até as primeiras páginas dos jornais.
Vamos então para a terceira pergunta do quiz de hoje:
A partir de uma base local, de qual país o avião não tripulado Global Hawk, dos EUA, voou por longas distâncias em operações de patrulha entre o final de 2001 e, pelo menos, até 2006?
a) Ilhas Seychelles
b) Etiópia
c) Um país do Oriente Médio desconhecido
d) Austrália
Mais uma vez, no entanto, a resposta correta é a mais improvável. Recentemente, a mídia australiana divulgou que os EUA realizaram missões secretas com um avião não tripulado Global Hawk, partindo da base aérea australiana Royal Australian Base, em Edinburgh. Não se sabe que país os voos espionaram na ocasião, mas a Coreia do Norte parece um bom palpite.
Investindo em guerra
Seria fácil montar um quiz como este a cada duas semanas, e todos eles trariam a mesma lição essencial: da perspectiva de Washington, o mundo é, primordialmente, um cenário para o armamento, armazenamento, treinamento, planejamento e realização de guerras. Os Estados Unidos estão sozinhos no planeta, não apenas em sua capacidade, mas também em seu desejo de utilizar a força militar tanto no combate às drogas quanto em conflitos religiosos e em guerras políticas. Também estão sozinhos como fornecedores dos maiores sistemas de armas pesadas.
Houve no passado, é claro, sociedades guerreiras que se comprometeram em mobilizar todos os esforços para a guerra, antes de qualquer outra coisa. O que é único a respeito dos Estados Unidos é que eles não são uma sociedade guerreira.
Washington pode ser mobilizada para uma guerra permanente. Forças de operações especiais podem estar operando em até 120 países. Bases de aviões não tripulados podem estar se proliferando em todo o planeta. O povo americano, no entanto, está inerte e completamente alheio às guerras, intervenções, operações e outras atividades militares feitas em seu nome. Como resultado, temos 200 fuzileiros navais na Guatemala, controle de quase 78% da venda global de armas e aviões não tripulados patrulhando países do Pacífico a partir da Austrália. E dentro dos EUA, ninguém sabe de nada, ninguém se importa.
Guerra é aquilo que mais fazemos, mas para o que menos atentamos. Uma combinação perigosa.
Tradução por Henrique Mendes
* Texto originalmente publicado no site Tom Dispatch
NULL
NULL