Seção de funilaria em Betim (MG): operários chegam a fazer turnos de 12 horas na unidade símbolo da Fiat
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A menina dos olhos da Fiat não é mais Mirafiori, e talvez nem mesmo Detroit. Hoje a queridinha da empresa se encontra em uma cidade do tamanho de Bolonha, no meio do Brasil: Betim, em Minas Gerais. Lá está a instalação símbolo de como uma fábrica da Fiat deve ser, segundo Sergio Marchionne, CEO da montadora. Oitocentos mil veículos produzidos anualmente, 600 contratações nos últimos dois meses e mais 2.600 trabalhadores contratados somente em 2012. Uma produtividade por operário mais de dez vezes superior à de Pomigliano, fábrica no sul da Itália. Como não cantar os louros de Betim? Tudo isso em um país em crescimento fulminante, onde há um automóvel para cada seis habitantes contra os dois para cada três habitantes na Itália.
O Brasil é insaciável por carros. E quando as vendas sofrem apenas uma mínima queda, como ocorrido em abril de 2012, o governo corta os juros do financiamento e prolonga as benesses fiscais para as empresas. Assim, já no mês seguinte, registram-se recordes de vendas. Em Goiana, Pernambuco, a Fiat está construindo uma nova planta industrial. Comenta-se que ali serão fabricados modelos de SUV e picape destinados somente ao mercado sul-americano, levando a produção anual da Fiat no Brasil a cerca de 1,2 milhão de unidades. Dos 59,6 bilhões de euros faturados pelo grupo de Turim, 11,2 são produzidos no Mercosul (Brasil, Argentina, Venezuela, Uruguai e Paraguai).
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Mas no Éden brasileiro da Fiat também não faltam problemas. Ainda em abril de 2012, a 2ª Vara do Trabalho de Betim condenou a empresa por não ter respeitado a legislação trabalhista e por ter obrigado os operários a fazer turnos de até 12 horas, sabendo bem, segundo os magistrados brasileiros, que a exposição a tal jornada poderia causar danos físicos aos trabalhadores: “A Fiat sempre soube que o tempo de exposição aos agentes químicos é causa direta de acidentes e doenças. Apesar disso, a empresa tem persistido no erro há anos, mesmo sabendo que os operários estavam ficando doentes”, argumentou a procuradora Luciana Coutinho, justificando a sentença.
A CNH Latin America, empresa controlada pela Fiat Industrial e que produz máquinas agrícolas e de construção também em Minas Gerais, foi condenada no fim de agosto porque 40% de seus funcionários tinham contratos irregulares, com salários reduzidos. Não obstante o rápido desenvolvimento econômico, no Brasil as condições dos trabalhadores não melhoraram tanto: “A lei brasileira limita a jornada de trabalho a 44 horas semanais, mas na Fiat de Betim registra-se uma média de 56 horas, e o trabalhador não pode se opor porque, caso o fizesse, seria imediatamente demitido. Mesmo depois da sentença da Vara de Trabalho, a situação não mudou”, denuncia João Alves de Almeida, do Sindicato de Metalúrgicos de Betim.
Nada de sindicatos
Na megainstalação de Betim, a taxa de sindicalização dos trabalhadores é de cerca de 2%. Segundo a direção da empresa, esse índice tão baixo pode ser explicado pelo fato de os operários não sentirem necessidade do sindicato. A empresa – sustentam os administradores – mantém uma relação direta com seus dependentes e assim consegue responder a todas as suas exigências. Em 2009, porém, Durval Ângelo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, denunciou e investigou “as práticas fascistas de repressão que a Fiat aplica sistematicamente”, com o uso dos serviços de um corpo policial privado ou com a ajuda direta da Polícia Militar do estado.
Segundo João Alves de Almeida, “há uma forte repressão a qualquer tipo de atividade sindical, dentro e fora da fábrica. É só nos aproximarmos das fábricas que logo intervém a segurança patrimonial, a polícia privada da Fiat, frequentemente auxiliada pela Polícia Militar. E isso não é tudo: a polícia da Fiat, composta em grande parte por ex-agentes da PM, chega inclusive a deter os membros do sindicato.”
“A Fiat é a maior empresa do estado de Minas Gerais, controla os meios de informação através do fluxo de dinheiro das concessões publicitárias e tem uma enorme influência política”, denuncia o sindicalista. Além disso, no Brasil não existe uma regulamentação da atividade sindical dentro do ambiente de trabalho, embora o direito à greve e a figura do sindicato estejam previstos na Constituição. Portanto é muito difícil comprovar, mesmo no âmbito da Justiça ordinária, eventuais práticas antissindicais. No caso de amor descrito por Marchionne entre a Fiat e o Brasil, está completamente ausente um ator que, na Itália, continua em primeiro plano: a parte social, o sindicato ou, simplesmente, os trabalhadores e a sua dignidade.
Ajuda do estado
O segredo do sucesso da Fiat no Brasil, de que tanto se gaba Sergio Marchionne, não é somente o salário mais baixo dos operários ou a presença de sindicatos mais maleáveis. Nem Betim pode se orgulhar de alguma solução produtiva revolucionária: tudo depende do governo e dos incentivos que ele pode oferecer. Como declarou o administrador da Fiat, 85% do projeto de criação do novo estabelecimento em Pernambuco são financiados pelo estado brasileiro, e nos primeiros cinco anos a fábrica produzirá com subsídios fiscais.
Os incentivos governamentais previstos pelo plano Brasil Maior, que se iniciará em 2013, estão vinculados aos investimentos. Mas na Fiat eles preferem gastar o mínimo possível. As novas instalações em Pernambuco, por exemplo, serão construídas, de fato, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que contribui com 1,9 bilhão de euros do total de 2,3 milhões do investimento. Eis o segredo.
Em um contexto como esse, os salários e as reivindicações dos trabalhadores ou a produtividade não contam tanto. Às perguntas de Corrado Passera, ministro do Desenvolvimento Econômico, de Infraestrutura e dos Transportes da Itália, sobre o porquê de a Fiat não conseguir produzir em seu país de origem com a mesma margem de lucro que alcança no Brasil, Marchionne respondeu que é tudo uma questão das facilidades concedidas prontamente pelo governo brasileiro e que são impossíveis de se obter na Itália devido aos vínculos europeus.
Velhas tecnologias
Segundo a Fiat, a instalação brasileira é muito mais produtiva do que as fábricas do Bel Paese: em Betim se produzem 78 automóveis por operário, contra os sete de Pomigliano. Um dado que não está bem esclarecido. Especialmente quando se leva em conta — como admite Valentino Rizzoli, vice-presidente executivo da Fiat para a América Latina — que os estabelecimentos italianos têm uma tecnologia muito mais avançada do que as filiais brasileiras.
Como pode a produtividade das fábricas brasileiras, considerada como número de automóveis produzidos por operário, ser maior? Um dos fatores-chave é o tipo de veículo fabricado: os modelos para o mercado brasileiro são muito mais simples e menos refinados do que aqueles feitos para o mercado europeu. Na Europa, os padrões mais elevados fazem com que a Fiat não consiga competir com as rivais alemãs, enquanto no Brasil ela domina um mercado onde o conteúdo tecnológico dos carros é infinitamente mais baixo. Cada automóvel que sai de Betim (um a cada três minutos) corresponde a padrões que na Europa foram superados 15 anos atrás.
Resumindo, a Fiat derruba a concorrência em um ambiente onde a inovação tecnológica e o sindicato não contam e o governo pode oferecer todo tipo de incentivo. Não é exatamente um modelo a ser importado pela Itália.
Tradução por Carolina de Assis
* Texto originalmente publicado na revista italiana Left
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