A ativista Botahina Kamel fez campanha para concorrer à presidência do Egito e luta por mais participação feminina no governo
Saiba o que mais foi publicado no Dossiê #07: Educação Sem Fronteiras
Leia as outras matérias da edição nº 7 da Revista Samuel
Quando Bothaina Kamel começou a recolher assinaturas numa campanha para se tornar não só o primeiro caso de presidente democraticamente eleito no Egito, mas também a primeira mulher a governar o país em vários séculos, praticamente todo mundo sabia que sua campanha não teria êxito.
Mas o importante não era isso. Como disse Kamel ao GlobalPost durante a campanha presidencial, em maio: “Precisamos sonhar”.
As mulheres do Egito, inclusive Kamel, certamente são sonhadoras. Elas sonharam com um governo livre da tirania quando deram as mãos aos seus irmãos na praça Tahrir, em 2011. Sonharam com um futuro livre de assédio, ainda que sucessivos relatos de estupros e agressões, inclusive de militares, continuem vindo à tona.
Embora ainda existam muitas cartas marcadas contra as mulheres com novos obstáculos surgindo a cada dia — da vigilância governamental e da violência sexual ao desprezo da opinião pública e o exílio —, muitas mulheres ainda sonham com a igualdade de representação no seu governo e não vão parar até terem uma participação decisiva no futuro do país.
Apoie a imprensa independente e alternativa. Assine a Revista Samuel.
Para muitos, a atmosfera da praça Tahrir que levou à queda de Hosni Mubarak, no começo de 2011, ofereceu um vislumbre de como o Egito poderia ser. Contrariando as probabilidades, um movimento de direitos femininos vibrante e multifacetado continua crescendo no Egito.
Sally Zohney, ativista política e pesquisadora da ONU Mulheres (entidade das Nações Unidas para a igualdade de gênero e a valorização das mulheres) no Cairo, observou: “Tornou-se surreal como estava perfeito o relacionamento entre homens e mulheres. Durante um mês, em momento algum eu pensei que era uma garota. Ninguém em momento algum olhou para mim como se eu fosse uma garota.”
Agora, depois de Mubarak e das eleições que levaram ao poder Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, e depois que o Conselho Supremo das Forças Armadas dissolveu o já instável Parlamento (no qual as mulheres ocupam apenas oito de um total de mais de 500 vagas) com um “golpe branco”, a situação feminina pode estar mais precária.
Muitas mulheres laicas temem o que pode significar o fato de a nova primeira-dama do Egito usar véu, e o fato de a Irmandade Muçulmana e seu braço político, o Partido Liberdade e Justiça, terem conquistado democraticamente a presidência e a maioria parlamentar.
Nova era
Ainda não se sabe qual será o futuro dos militares e quanto poder eles terão quando a poeira assentar, inclusive se eles poderão restabelecer os “testes de virgindade” que eram feitos nas revolucionárias, mas foram proibidos em dezembro, por causa de um processo judicial aberto por Samira Ibrahim depois de ser submetida a um desses exames, em março de 2011.
Ninguém sabe se a porta das oportunidades femininas no Egito irá se fechar, deixando a sociedade local para trás enquanto avanços são feitos em outras áreas do Norte da África, ou se o vento forte do feminismo irá escancará-la, dando início a uma nova era.
Quando o GlobalPost iniciou sua série de reportagens sobre as revolucionárias egípcias, no ano passado, apareceram divergências sobre se a dinâmica de gênero da praça Tahrir manteria-se ou não. Alguns diziam que as coisas haviam voltado ao status quo, que a utopia da praça havia sido desmantelada pela crescente desilusão fora dela.
Outros insistiam que uma nova era havia começado para as mulheres egípcias, com uma participação política mais disseminada e conversas abertas a uma gama mais ampla de vozes.
Outros, ainda, enfatizaram que aquela foi uma revolução da classe média urbana, e que a maioria dos seus participantes pertencia a segmentos liberais, elitistas e não-conformistas da sociedade egípcia. Por isso, diziam, a revolução estava apenas começando a se espalhar do Cairo para a maioria da população do Egito.
Atitude comum
O movimento feminista no Egito tem uma longa história, e muitas mulheres ativas nas recentes rebeliões têm uma prolongada trajetória de ativismo político e social, que antecede em muito ao 25 de janeiro de 2011. Muitos que conversaram com o GlobalPost salientaram que esse passado feminista foi com muita frequência excluído das narrativas que emergem do Egito, e da forma como a grande imprensa caracteriza as revolucionárias como “alienígenas que pousaram na Lua e marcharam com os homens! Lado a lado!”, disse Sally Zohney.
Convidadas a rever a cobertura da imprensa desde o começo da revolução, as mulheres citaram aspectos positivos e negativos nas reportagens até agora. Embora muitas estivessem animadas com o fato de a imprensa minimamente destacar a questão da igualdade de gênero, uma luta na qual elas passaram anos pessoalmente envolvidas, outras ficaram frustradas com o que viram como uma cobertura superficial, com frequentes referências a mulheres de burca de mãos dadas com outras vestindo jeans apertados.
Mas uma atitude foi comum a todas as entrevistadas: a insistência em se absterem de julgamentos abrangentes demais acerca do significado para as mulheres da atual situação política no Egito e do papel delas na continuação da revolta.
Tradução por Rodrigo Leite
* Texto originalmente publicado no site americano GlobalPost
NULL
NULL