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Vários casais, às vezes jovens, descobrem que os laços que os unem no banco são mais sólidos que os do matrimônio. A pressão dos créditos imobiliários é tanta que eles se veem condenados a viver sob o mesmo teto quando já decidiram se separar.
Com uma taxa de desemprego que chega a quase 25%, empregos cada vez mais precários, ajudas familiares que também se esgotam, não são mais os sentimentos que guiam a vida dos casais espanhóis. “O romantismo é um luxo que não podemos mais pagar”, resume Charo, jovem dona de uma discoteca em Navarra.
“Nosso compromisso financeiro é o único laço que nos une hoje”, ironiza Pablo, 42 anos. Em 2005, esse arquiteto madrilenho comprou com Raquel um apartamento no centro de Madri. Ele se endividou por 32 anos para reembolsar os 199 mil euros emprestados pelo banco. Cinco anos depois da instalação do casal no lar, a relação dos dois explodiu. Raquel perdeu o emprego de designer no ano anterior e Pablo sofre para encontrar novas obras em um país onde a construção imobiliária está desacelerada. Raquel lamenta-se: “Nenhum dos dois pode pagar integralmente as contas da casa e, se a vendermos, perderemos tudo, pois os preços caíram e ninguém está comprando.”
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Casais em guerra
Os bancos espanhóis, que estão atolados em ativos tóxicos (cerca de € 200 bilhões) vinculados aos imóveis, fecharam a torneira do crédito desde a explosão da crise em 2008. Somente os compradores com dinheiro podem adquirir um bem. Raquel e Pablo viraram colocatários de um dia para o outro. Cada um tem seu quarto e deve avisar ao outro se for receber visitas.
Não é o caso de Maria e Alejandro, que escolheram a alternância no seio do lar. Esses espanhóis de trinta anos, sem filhos, vivem na casa um de cada vez até venderem o imóvel. “Durante dois meses, eu volto para a casa dos meus pais e ele fica com o apartamento. Depois, fazemos o contrário. É necessária uma boa logística, mas, ao menos, dessa forma, não brigamos”, diz Maria.
O número de separações oficiais diminuiu desde o início da crise. Entre janeiro e setembro de 2011, o conselho geral do poder judiciário registrou 85.346 divórcios, ou 2,8% menos que em 2010. Para Alberto Rubio, advogado do SeparacionesOnline.com, não há dúvida de que o fardo do pagamento imobiliário seja responsável pelo recuo no número de divórcios: “Antes de se separar, é necessário que o casal consiga convencer o banco a achar uma solução financeira, o que se tornou uma ‘missão impossível’”.
Para a maioria dos casais, a coabitação forçada é um suplício. Javier, 34 anos, e Charo, 35 (os nomes foram mudados), moram há cinco anos em um apartamento de um dos novos bairros luxuosos de Pamplona que brotaram como cogumelos nos anos da loucura imobiliária.
Eles investiram nesse bem todo o dinheiro que tinham economizado durante seu longo noivado (de dez anos), quando cada um morava com os pais, com casa, comida e roupa lavada de graça. Como faz a maior parte dos jovens espanhóis. E levantaram um empréstimo, por 25 anos, de € 1.400 mensais.
“O banco foi irresponsável ao nos conceder esse empréstimo”, reconhece Javier, funcionário regional. Charo trabalha em casas noturnas, que sofreram violentamente com a crise econômica. Há três anos, depois do nascimento do filho, Charo apaixonou-se por outro homem. O clima na casa degenerou-se rapidamente e a jovem decidiu mudar para a casa dos pais com o filho.
“Não suportei ficar no meu quarto de criança, com a minha mãe choramingando o dia todo por causa do meu casamento destroçado por minha culpa”, diz Charo. “Soube que Javier morava na nossa casa com uma garota enquanto eu pagava metade das contas e ele não dava nada para a criança. Voltei para a casa ignorando o conselho dos meus pais. Foi o começo da guerra. E nós éramos as duas pessoas que se entendiam melhor no mundo.”
Eles não podem vender o apartamento — há milhares de imóveis iguais ao deles que não encontram compradores — e, como não conseguiram organizar a liquidação de seus bens comuns diante de um tabelião, não podem se divorciar.
Esse casal antes feliz, inteligente, cercado de vários amigos, não se fala sem ter um intermediário. Os dois reconhecem que o contrato material não poderá justificar indefinidamente esse inferno. O novo amor de Charo não aguenta mais que ela more com o pai de seu filho.
O psicólogo Rodrigo Martinez de Ubago afirma que, em alguns casos, a coabitação forçada permite reconciliações inesperadas: “Tive alguns casos de pacientes que reencontraram a chama do início do namoro ao verem o outro apenas como um colega de casa.”
É a esperança proclamada pelos pais de Javier e Charo, que não entendem “que eles não façam esforço” para que tudo volte ao normal.
Tradução por Barbara Menezes
* Texto publicado originalmente no site francês Rue 89
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