Equipamentos de proteção para agricultores: prevenção contra intoxicações e envenenamento no campo
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Um marco na história do movimento ambientalista mundial completa 50 anos. Em 1962, a bióloga, pesquisadora e escritora norte-americana Rachel Carson (1907-1964) publicou o livro Primavera Silenciosa denunciando o impacto do DDT no meio ambiente. A obra gerou um debate nacional sobre o assunto nos Estados Unidos, onde o veneno foi banido dez anos depois. A autora conseguiu reunir informações esparsas sobre os efeitos dos pesticidas, desconhecidos da população na época, e também relatou casos de ocultação de informações por parte do governo. A publicação teve repercussão mundial.
Meio século depois, adivinhe qual o país que mais utiliza agrotóxicos nas lavouras? O Brasil, é claro, desde 2008, respondendo por mais de 16% do mercado mundial, graças ao modelo agroexportador adotado pelo agronegócio brasileiro, com apoio governamental. Qual o impacto disso na saúde dos trabalhadores rurais? Em 2008, foram registrados 5.295 casos de intoxicação por agrotóxicos no Brasil, 69 deles no Rio Grande do Sul, segundo o III Informe Unificado das Informações sobre Agrotóxicos Existentes no SUS, publicado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Em 2010, o Centro de Informação Toxicológica do Rio Grande do Sul registrou 746 atendimentos sobre exposição humana a agrotóxicos.
“Embora a agricultura seja praticada pela humanidade há mais de dez mil anos, o uso intensivo de agrotóxicos para o controle de pragas e doenças das lavouras existe há pouco mais de meio século. Ele teve origem após as grandes guerras mundiais, quando a indústria química fabricante de venenos então usados como armas químicas encontrou na agricultura um novo mercado para os seus produtos”, explica Flavia Londres na abertura do seu livro Agrotóxicos no Brasil, um guia para ação em defesa da vida, publicado no ano passado pela Rede Brasileira de Justiça Ambiental e pela Articulação Nacional de Agroecologia.
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Falta informação
“O Brasil é o país que mais consome agrotóxicos por duas razões: facilidade de adquirir os produtos e falta de informação dos agricultores”, avalia o engenheiro agrônomo da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) Jaime Miguel Weber, 49 anos, integrante da Red de Acción en Plaguicidas y sus Alternativas para América Latina. Em sua avaliação, já existe tecnologia para produção de alimentos sem agrotóxicos. “O seu uso está diretamente ligado ao modelo de produção de monoculturas para exportação e ao tipo de sementes utilizadas, dependentes de fertilizantes e venenos químicos”, afirma Weber.
Entre os problemas mais comuns encontrados no campo, Jaime Weber cita a confusão que muitos agricultores fazem entre inseticida, herbicida e fungicida, acarretando o uso equivocado dos produtos. Outra questão é o uso acima da dosagem indicada. “Para garantir, eles dizem, acabam aplicando mais do que o necessário, principalmente os pequenos e médios, que não controlam tanto seus custos de produção”, ressalta Weber. Segundo ele, é comum ocorrer uma espécie de “sucessão familiar”. Quando um filho mais velho sofre sequelas por tanta contaminação, o mais novo assume o posto de aplicador de veneno.
O Censo Agropecuário do IBGE de 2006 fornece dados que demonstram a falta de informação no campo sobre o uso e os riscos dos agrotóxicos: 785 mil estabelecimentos (56,3% daqueles onde houve utilização de agrotóxicos) não receberam orientação agronômica. Das propriedades que receberam assistência (172 mil), 76,7% usam agrotóxicos. Revela também que quase 85% da mão de obra agrícola se encontra nas pequenas propriedades, e mais de 80% dos proprietários rurais e 37,5% dos trabalhadores com laços de parentesco com eles são analfabetos, ou sabem ler e escrever mas não têm escolarização formal, ou possuem apenas o Ensino Fundamental incompleto.
Mais de 30 entidades ligadas a movimentos sociais e grupos de pesquisadores lançaram em 2011 a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. O objetivo é alertar sobre a falta de fiscalização no uso, consumo e venda de agrotóxicos, contaminação dos solos e das águas e os impactos dos venenos na saúde dos trabalhadores, das comunidades rurais e dos consumidores nas cidades.
Em 2005 foi criada a Renaciat (Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica), coordenada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Atualmente tem 35 unidades em 18 estados e no Distrito Federal. O objetivo é fornecer informação e orientação sobre o diagnóstico, prognóstico, tratamento e prevenção das intoxicações e envenenamentos, assim como sobre a toxicidade das substâncias químicas e biológicas e os riscos que elas ocasionam à saúde. Atende tanto o público em geral quanto os profissionais de saúde.
Mercado em expansão
Atualmente são utilizados cerca de 1 bilhão de litros de agrotóxicos no Brasil por safra. Em média, são 20 litros por hectare cultivado. Quase metade são herbicidas (como o glifosato), depois vêm os inseticidas e fungicidas (usados, por exemplo, para combater a ferrugem asiática da soja). Ao dividir o volume total utilizado no campo pela população, pode-se dizer que o consumo anual é de cerca de 5 litros de veneno químico por brasileiro, mas sobe para 31 litros se levarmos em conta somente a população rural.
A produção brasileira de grãos no período 2011/2012 chegará a 157,8 milhões de toneladas, uma redução de 3,1% em relação à safra anterior, quando chegou a 162,9 milhões de toneladas, segundo o sexto levantamento realizado pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). O milho e a soja, culturas de maior peso na produção, chegam a 83% de toda a safra, com um volume de 130,4 milhões de toneladas. O cultivo da safra 2011/12 deve ocupar uma área de 51,682 milhões de hectares, com um crescimento de 3,6% sobre os 49,888 milhões de hectares do último período. A ampliação se deve ao milho primeira safra (9,2%), ao milho segunda safra (14,1%) e à soja (3,3%). Quando aumenta a área, aumenta também o consumo de agrotóxicos.
Apenas seis multinacionais disputam o mercado brasileiro e mundial: Monsanto, Bayer, Syngenta, Dow, DuPont e Basf. As culturas que mais consomem agrotóxicos no Brasil são a soja, a cana-de-açúcar, o milho, o algodão, o café e a laranja. Mas também estão bem presentes nos hortigranjeiros que consumimos diariamente, como mostrou no final do ano passado estudo da Anvisa, até hoje questionando por entidades e pesquisadores ligados ao agronegócio.
Legislação tem 30 anos
No dia 22 de dezembro de 2012, outra data importante na luta contra os agrotóxicos, faz aniversário a Lei Estadual 7.747/82, conhecida como Lei do Agrotóxico, legislação gaúcha pioneira no Brasil e que acabou influenciando a legislação nacional (7.802/89). A elaboração deste texto contou com a participação direta de parlamentares sensíveis à questão ambiental e de representantes da sociedade civil, como o agrônomo e ecologista gaúcho Sebastião Pinheiro.
A própria definição do nome da lei federal foi uma grande vitória, pois permaneceu Lei dos Agrotóxicos, e não dos defensivos agrícolas, como até hoje insistem as indústrias do setor. A legislação federal é considerada avançada. Por exemplo, para registrar um novo produto, as empresas precisam passar por três ministérios, Saúde, Meio Ambiente e Agricultura. “Nosso problema não é falta de lei, mas sim fiscalização e controle”, pondera o engenheiro agrônomo da Emater, Jaime Weber.
No âmbito federal, a Lei dos Agrotóxicos (7.802), de 11 de julho de 1989 só foi regulamentada 13 anos depois de sua promulgação. O artigo 74 do Decreto Federal Nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002, diz que “os agentes de inspeção e fiscalização, no desempenho de suas atividades, terão livre acesso aos locais onde se processem, em qualquer fase, a industrialização, o comércio, a armazenagem e a aplicação dos agrotóxicos, seus componentes e afins, podendo, ainda, (…) lavrar termos e autos previstos neste Decreto”.
Segundo Sebastião Pinheiro, que ajudou a elaborar as legislações estadual e federal de agrotóxicos, “nunca foi feito um auto de infração no Brasil nestes 30 anos da primeira legislação de agrotóxicos”. A frase forte, como é do seu estilo, revela que ainda há muito por fazer no campo para se chegar a uma produção sustentável de alimentos.
* Texto publicado originalmente no veículo Extra Classe
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