Museu Nacional de Damasco: mas seus saguões foram fechados, e as peças valiosas, escondidas
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Os muros do escritório de Maamoun Abdul-Karim, localizado nos fundos do Museu Nacional em Damasco, estão cobertos de fotografias de artefatos e locais que documentam os milhares de anos da história síria.
Como Diretor Geral de Antiguidades e Museus na Síria, Abdul-Karim é responsável pela Campanha Nacional para o Resgate de Antiguidades Sírias, um trabalho já difícil antes das revoltas e agora quase impossível por conta da guerra civil que se espalhou pelo país.
“A guerra atingiu todos os aspectos da vida, incluindo a conservação de antiguidades consideradas patrimônio comum de todos os sírios, sejam opositores ou apoiadores do regime”, disse Abdul-Karim.
Tendo aprendido com “as lições da invasão americana de nosso irmão Iraque e com o furto organizado em todos os museus”, a diretoria decidiu agora lançar uma campanha extensiva na mídia, incluindo mensagens de SMS e outdoors, para promover a consciência da população sobre a importância de se proteger as antiguidades.
Infelizmente, a campanha parece um gesto quase fútil diante da destruição devastadora e da violência que tomam conta do país. As Nações Unidas estimam que pelo menos 20 mil pessoas foram mortas desde que a crise começou. A história e os tesouros arqueológicos do país também se tornaram vítimas.
Ao final de setembro, vídeos impressionantes de Alepo mostraram a queima de partes do antigo zoco, tradicional mercado árabe, considerado um tesouro nacional. Abdul-Karim diz que instituições como museus, normalmente localizadas em cidades maiores, foram protegidas, e que os artefatos mais raros foram escondidos.
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Ameaças ao patrimônio
“Desde o começo dos eventos, posso confirmar que apenas dois roubos aconteceram. O primeiro foi o de uma pequena estátua de ouro do museu de Apameia, no nordeste da Síria, e o de uma tábua cuneiforme antiga de Hama. Nenhum desses itens são considerados raros”, diz o diretor do museu. Sítios arqueológicos e do patrimônio sírio, como ruínas, mesquitas, zocos e distritos históricos das cidades, no entanto, são mais difíceis de preservar.
“A Síria tem mais de 10 mil patrimônios históricos, museus e escavações arqueológicas espalhados por suas várias províncias e cidades”. A proteção destes locais “é de suma importância, graças às suas cada vez mais frequentes escavações e ao roubo, especialmente em áreas de fronteira onde os contrabandistas trabalham com mais facilidade”, complementa.
Entretanto, a maior ameaça às antiguidades sírias e ao patrimônio material são os confrontos militares entre a oposição armada e as forças do regime. “Em algumas regiões, como Daraa e Damasco, bombas e projéteis atingem os locais antigos”, diz Abdul-Karim. “Os edifícios de patrimônio histórico também foram danificados em cidades como Idlib e Jabal al-Zawiya, que foram recentemente adicionadas à lista de patrimônios da humanidade.”
Em Alepo, os danos afetaram vários edifícios históricos, principalmente o forte e o zoco, onde homens armados atearam fogo em 150 lojas nos conflitos recentes. Rebeldes e ativistas da oposição dizem que os incêndios foram causados pelas forças do governo. Pior ainda, diz Abdul-Karim, as explosões na praça Saadallah al-Jabiri “causaram danos físicos significativos ao edifício do museu nacional em Alepo”.
A Grande Mesquita dos Omíadas também foi atingida, mas Abdul-Karim insiste que os relatos da mídia de imensos danos são exagerados, complementando que até agora “os especialistas arqueológicos não puderam avaliar os danos de uma maneira científica”.
Ele promete que sua diretoria irá “trabalhar rapidamente para consertar e reparar todos os danos”, mas adverte que “o zoco antigo de Alepo sofreu o pior tipo de dano” e pode ser “difícil, quase impossível, fazer com que ele volte a ser como era antes ou renová-lo”.
Museu vazio
Abdul-Karim parece cautelosamente otimista sobre a possibilidade de salvar a herança cultural da Síria da destruição, mas enfatiza que o conflito impede que os especialistas e os funcionários da diretoria cheguem a muitos dos locais.
“Não houve uma pesquisa específica que abordasse as perdas”, explica. “Até o momento, ninguém foi capaz de fazer isso, o que seria impossível sem um cessar-fogo ou o fim completo da guerra.”
Num primeiro momento, o Museu Nacional, em Damasco, uma das instituições mais famosas da cidade, parece estar funcionando normalmente, com visitantes perambulando em seus jardins. Mas esta ilusão de normalidade logo se desfaz. O museu permanece fechado, e as peças de valor foram transferidas para locais distantes dos conflitos armados.
Embora os saguões do museu estejam vazios, seus jardins seguem enfeitados por estátuas e artefatos, o que gera um oásis de tranquilidade em uma cidade que não permaneceu ilesa à guerra ao seu redor. Os muitos eventos culturais e artísticos, antes organizados nos jardins, deixam dolorosas saudades aos seus participantes.
Tradução por Henrique Mendes
* Texto publicado originalmente em língua inglesa no periódico libanês Al-Akhbar
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