UNMIL Photo/Christopher Herwig
Policiais queimam plantas utilizadas na produção de narcóticos cultivadas em fazenda em Gbanga, Libéria
A África ocidental tem um problema com as drogas. À medida que a demanda por drogas pesadas, especialmente cocaína, aumenta na Europa, os traficantes sul-americanos estão utilizando rotas que atravessam a região, aproveitando-se das forças de segurança geralmente ineficientes, da corrupção endêmica e da proximidade com os europeus em busca de satisfação química.
Trata-se de um lugar particularmente interessante para aqueles que desejam exercer o tráfico, de acordo com Antonio Maria Costa, ex-chefe do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. “Os aviões que transportam drogas não precisam voar abaixo dos radares, já que, de um modo geral, não há radares (ou eletricidade). Os soldados às vezes ajudam traficantes, fechando aeroportos e descarregando a mercadoria. As viaturas da polícia ficam sem gasolina durante perseguições ou são deixadas para trás pelos veículos mais adequados ao terreno usados pelos traficantes… Os traficantes são raramente levados a julgamento; em alguns casos, não há sequer prisões nas quais mantê-los”, disse Costa ao “Washington Post” em 2008.
Desde então, pouca coisa mudou. Na verdade, o tráfico pelos portos e desertos da África Ocidental aumentou, ao menos de acordo com fontes oficiais do combate às drogas e com as ONGs envolvidas.
“A rota da África ocidental tem sido explorada há muito tempo, mas o que temos visto na última década é um grande aumento no volume de drogas que atravessa a região, à medida que cartéis transnacionais colaboram com criminosos locais e com redes do tráfico, além de oficiais corruptos e terroristas, a fim de transportar sua mercadoria para a Europa e a América do Norte. As rotas tradicionais estão sendo melhor monitoradas, mas os traficantes encontram alternativas”, disse Adeolu Ogunrombi, chefe da Comissão sobre Drogas da África Ocidental, em entrevista à revista “Vice” no ano passado. Ogunrombi também afirmou que o uso intenso de narcóticos crescia entre a própria população da África Ocidental, com a Nigéria, particularmente, relatando altos índices de consumo de cocaína.
Official U.S. Navy Imagery /Class Kevin S. O'Brien
Oficiais da marinha peruana e norte-americana acompanham operação policial contra o tráfico de drogas na porção peruana do rio Amazonas
Detalhes comerciais
A despeito dos alertas, no entanto, é difícil determinar exatamente qual é a quantidade de drogas que passa pela região, ou que parte dela é usada pelos habitantes locais. Os traficantes obviamente não compartilham os detalhes de seu comércio, e outros indicadores de consumo, como pesquisas públicas ou dados sobre drogas injetáveis, são escassos ou indisponíveis. A maior parte das informações sobre o aumento no tráfico e no uso de narcóticos vêm de informações sobre apreensão de mercadoria e são inerentemente pouco confiáveis.
“É muito pouco recomendável, se não for impossível, julgar as tendências do tráfico de drogas com base unicamente em dados de apreensão”, alerta um novo relatório do Observatório de Políticas Globais sobre Drogas, da Universidade de Swansea [Reino Unido]. Frequentemente, as apreensões dizem menos sobre a quantidade de drogas sendo traficada do que sobre a eficiência (e motivação) das forças de segurança. “Avaliar tendências do tráfico ano a ano com base em dados de apreensão significa presumir que a atividade de patrulhamento da polícia é constante ou pelo menos similar todos os anos. É difícil ver como essa hipótese pode ser justificada na África ocidental, já que há muitas influências sobre os níveis da atividade de patrulhamento, incluindo a disponibilidade de recursos e a presença da corrupção.”
O relatório, intitulado “Contando a história das drogas na África ocidental: O novo front em uma guerra perdida?” provoca receio de que essas estatísticas pouco confiáveis estejam sendo usadas para justificar soluções que são potencialmente ainda mais perigosas.
“A África ocidental pode estar em uma situação em que seu quadro em relação às drogas é altamente influenciado por mudanças na 'guerra às drogas' global, mudanças que estão longe do alcance dos Estados da região… Desta forma, enquanto a América Latina nos últimos anos tem sido menos amigável à presença do aparato norte-americano de controle de narcóticos, as autoridades dos Estados Unidos podem transferir a mesma lógica e o mesmo equipamento militar e de vigilância para a África”.
Particularmente, os autores do relatório estão preocupados com a possibilidade de que os mesmos erros cometidos na guerra às drogas sul-americana sejam repetidos na África Ocidental.
Em uma entrevista para o “Daily Maverick”, uma dos autores do estudo, Joanne Csete, esclareceu quais são suas preocupações.”Nós não conseguimos perceber de que ponto de vista a 'guerra às drogas' na América Latina pode ser avaliada como bem-sucedida. A produção de cocaína e maconha não diminuiu, o preço das drogas é o mais baixo de todos os tempos, elas nunca foram tão puras e, além disso, a violência e a corrupção relacionada ao tráfico são maiores do que nunca. Há um amplo consenso, da parte de economistas, juristas criminais e, hoje, até mesmo de chefes de Estado da região, de que há uma urgente necessidade de repensar esta abordagem malsucedida.”
US Army Africa /Staff Sgt. Michael R. Noggle
Soldados malineses são treinados por forças especiais dos Estados Unidos para o combate ao tráfico de drogas
Mesmos erros
Ainda assim, há sinais de que a mesma estratégia militarizada, proibicionista, liderada pelos EUA está sendo realizada na África ocidental. “A Iniciativa para a Segurança Cooperativa na África Ocidental (WACSI, na sigla em inglês), um dos principais programas antinarcóticos do continente, parece imitar a experiência latino-americana e foi apresentado ao Congresso dos Estados Unidos como sendo decorrente da atividade do país nas Américas. Os agentes antidrogas ativos na região e a reforma no setor de segurança, incluindo assistência técnica para o patrulhamento, fazem parte de programas de assistência a estrangeiros financiados pelos Estados Unidos e por outros contribuintes regionais. Algumas dessas atividades sem dúvida ajudarão a aumentar a capacidade de apreensão de narcóticos pelas forças locais, mas a experiência ao redor do mundo mostra que o tráfico simplesmente encontrará novas rotas e novas maneiras de prosperar em algum outro lugar.
“Nossas preocupações são: (1) a evidência do fracasso dessas medidas não é reconhecida, enquanto os países são pressionados a aceitá-las; (2) estas medidas são frequentemente justificadas com base em uma suposta conexão entre o tráfico de drogas e o terrorismo, o que não foi atestado pelos fatos; (3) elas levam a políticas desequilibradas em que os recursos sempre vão para o policiamento mais agressivo e, em última instância, menos efetivo; os serviços de saúde e sociais, por exemplo, que poderiam ajudar usuários de drogas pesadas mais problemáticos a se recuperarem (reduzindo, portanto, a demanda por drogas) são inadequadamente financiados ou não existentes.
Tais preocupações são particularmente relevantes à luz do fato de que a política antidrogas na América do Sul está começando a ser mudada, à medida que os países cada vez mais rejeitam políticas propostas pelos Estados Unidos que causam mais males do que benefícios. O Uruguai tomou a dianteira no último ano, legalizando oficialmente a maconha, uma medida que outros países, incluindo a Argentina, o Chile e o México, já levam em consideração.
Se os países da África ocidental quiserem evitar repetir os erros cometidos na América do Sul, eles precisam pelo menos avaliar essas alternativas.
“Enquanto os governos não avaliarem seriamente o fracasso de suas políticas antidrogas domésticas e internacionais, estão fadados a repetir os mesmos erros', comentou Dave Bewley-Taylor, diretor do Observatório de Políticas Globais para Drogas. “Insistir na abordagem predominantemente militarizada da política antidrogas latino-americana é apostar em uma má idéia. Não se pode permitir que isso ocorra em nenhum outro lugar; muito menos na África. Aqui, como em qualquer outro lugar, é preciso reavaliar as estratégias de controle de narcóticos à luz de nossas experiências e das evidências cada vez mais numerosas daquilo que funciona ou não, a fim de avaliar como evitar as armadilhas do passado.”
Tradução Henrique Mendes
* Texto publicado originalmente pelo site Daily Maverick, que traz notícias e textos de opinião produzidos por sua redação em Johannesburgo, África do Sul
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