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Jornalistas da agência estatal de notícias Xinhua: testes para comprovar unidade ideológica
Para trabalhar como jornalista na China é necessário ter uma espécie de carteirinha, mas muitos o fazem mesmo sem tê-la. A partir de agora isso não será mais um problema. Estão previstos para o início deste ano os novos testes elaborados pelos gênios do mal do Escritório de Propaganda do Partido Comunista. São testes “ideológicos”, frutos de um volume de 700 páginas (“Material preparatório para redatores e jornalistas”) que os repórteres chineses e aspirantes terão que estudar. Estão previstas também aulas e sessões de estudo, inclusive com exigência de frequência, mas muitos já preveem doenças ou licenças que lhes impossibilitarão a presença.
Os testes, no entanto, serão fundamentais para o exercício da profissão. Segundo algumas pessoas que desabafaram no Weibo, o Twitter chinês, ou deram entrevistas anônimas a publicações internacionais, poderia se tratar de um experimento único, que não seria repetido no futuro. Mas é certamente uma novidade relevante, mesmo que grotesca, a ser interpretada no contexto da estratégia do presidente Xi Jinping de reunir em torno do partido todas as forças possíveis, garantindo uma unidade ideológica.
Teste de marxismo
O que significa “socialismo com características chinesas”, ou o que Xi Jinping quer dizer com “sonho chinês”? São algumas das perguntas a que os jornalistas deverão dar a resposta correta. O manual especifica que, para que se possa informar o público adequadamente, é necessário conhecer os fundamentos da política ideológica do partido, evitando assim desinformar através de notícias e artigos que estejam fora dos cânones prescritos. Fazer jornalismo na China não é simples: frequentemente os repórteres locais se defrontam com temas considerados “sensíveis” ou com o “diktat” dos membros da Propaganda, que mantém uma representação em cada redação (um famoso jornalista da Xinhua, a agência oficial de imprensa da China, é um conhecido escritor de ficção científica: escreve as notícias obrigatórias, e depois as eleva em contos de ficção cientifica).
Com relação à presença do partido nas redações, há pouco mais de um ano o confronto entre redatores e o representante da Propaganda em um conhecido jornal diário no sul da China foi o estopim de uma clamorosa greve, comentada inclusive na mídia internacional. E a propósito de jornalistas e publicações estrangeiras, o manual do perfeito jornalista chinês se distancia do modo de conceber notícias no resto do mundo, especificando que existem diferenças, mas que “há muita variedade com relação à modernização, portanto é normal que entre Oriente e Ocidente existam algumas diferenças, mas ‘modernização’ não quer dizer ‘ocidentalização’. E certamente ‘ocidentalização’ não pode ser entendida como ‘americanização’”. Que fique bem claro.
Jornalistas estrangeiros
Foi justamente com relação à mídia ocidental na China que, no final do ano passado, instalou-se uma polêmica feroz, depois que os repórteres do “New York Times” e da agência Bloomberg denunciaram que seus vistos não tinham sido renovados. Os dois veículos deram a entender que estavam na mira do Partido Comunista após terem publicado reportagens sobre a riqueza dos políticos locais. Suspeitava-se inclusive que muitos dos jornalistas acabariam expulsos. Não por acaso, naqueles dias de incerteza sobre os vistos, o “Global Times” (jornal chinês de língua inglesa), filhote do oficialíssimo “Cotidiano do Povo”, disparou contra a mídia estrangeira em um editorial: “As autoridades chinesas não cumprem seu dever se permitem que a mídia ocidental trabalhe na China sem controle. A segurança das informações é uma das principais preocupações do país. A China está disposta a comunicar-se com o mundo, mas não renunciará à própria definição de seus direitos em razão da mídia ocidental”.
No fim, tudo resolvido: tanto o “New York Times” quanto a Bloomberg obtiveram os vistos e até hoje a única jornalista expulsa do país nos últimos anos foi Melissa Chan, repórter da rede Al Jazeera – seu visto não foi renovado após ela ter realizado uma reportagem televisiva sobre as “black jail”, centros onde os chamados “peticionistas”, pessoas que vêm das províncias para pedir justiça ao Partido Comunista de Pequim, são detidos ilegalmente. Durante os dias em que não havia certeza sobre a renovação dos vistos aos jornalistas do “New York Times”, Thomas Friedman, editorialista do jornal, escreveu uma “carta aberta” a Xi Jinping exortando-o a mudar de estratégia: “Acredito que vocês irão cometer um erro terrível se decidirem expulsar todos os nossos correspondentes da China. Caso isso aconteça, posso dizer exatamente o que acontecerá: serão instituídos escritórios em Hong Kong, Taiwan e Coreia do Sul, que não farão outra coisa senão passar um pente fino em todos os documentos financeiros, sem a possibilidade de equilibrar suas matérias viajando pela China, encontrando e ouvindo o povo chinês cara a cara, e reportando com nuances outras questões. Além disso, seríamos obrigados a banir também os jornalistas chineses. Não deixaremos que vocês gozem da nossa abertura enquanto nós somos amordaçados”. A pergunta é o que pensa sobre isso a agência Bloomberg, que chegou a censurar reportagens sobre os bilhões dos políticos chineses para não sofrer sanções da parte de Beijing.
APEC 2013
O presidente da China, Xi Jinping, e sua mulher: ponto de vista próprio sobre a história chinesa
A narrativa de Xi
Segundo a maior parte dos observadores, as escolhas do Escritório de Propaganda estariam alinhadas com as novas diretrizes do presidente Xi Jinping, que há tempos trabalha por uma unidade ideológica renovada, capaz de respeitar a chamada “linha de massa”, terminologia maoista que indica a vontade de manter sempre uma relação estável entre o partido e a população, considerando a união ideológica como a verdadeira força da República Popular. Não por acaso, no manual para jornalistas lê-se: “À diferença dos países ocidentais, a função mais importante da mídia do nosso país é ser as orelhas, os olhos e a boca para o partido e para o povo. Para que essa função seja desempenhada da melhor maneira possível, as notícias veiculadas pela mídia do nosso país devem ser fieis ao partido, aderir à liderança e ter a lealdade ao partido como princípio da profissão jornalística”.
Portanto Xi Jinping, com essa decisão que deriva de sua autoridade, confirma-se um líder ambivalente. Tanto reformista em termos econômicos e sociais – basta pensar na reforma histórica da lei do filho único e na abolição dos campos de trabalhos forçados – quanto tradicionalista do ponto de vista da utilização da propaganda e da retórica maoista. Além disso, ao contrário de seus ilustres predecessores, Xi Jinping não se encontra em seu posto por indicação do líder precedente, mas sim por um processo coletivo. Se isso lhe permitiu uma ascensão ao poder sóbria e nos tempos adequados, também criou a necessidade de ganhar – centímetro por centímetro – todo o partido, posicionando seus próprios homens nos pontos mais vitais da máquina política e econômica do Estado chinês.
Para isso, ele tem tido que permanecer firme e indicar sempre com muita precisão seus próprios objetivos, em função dos quais deve fazer trabalhar a grande engrenagem da propaganda. Assim o fez com seus rivais políticos, através de uma suntuosa campanha anticorrupção, e agora parece querer passar à fase que diz respeito ao imaginário e à narrativa de seu próprio ponto de vista na história chinesa. É natural que os jornalistas, que são aqueles que deverão narrar as peripécias do Sonho Chinês, sejam postos sob escrutínio no que parece, cada vez mais, uma progressão em direção a uma sociedade contemporânea do conhecimento.
Tradução Carolina de Assis
*Texto originalmente publicado em “Il Manifesto”, diário italiano feito por uma cooperativa de jornalistas. Dedica-se à cobertura de notícias italianas e internacionais.
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