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Quadrinho explica como surgiu “A Kimdumba da A.N.A.”: orgulho dos cabelos crespos naturais
Francisca Nzenze Meireles, a Chiquinha, é angolana e mora no Brasil há poucos anos. Seu interesse por ”cabelos naturais, curiosidade e amor aos cabelos naturais crespos” foi a inspiração para “A Kindumba da A.N.A.”, seu primeiro trabalho de histórias em quadrinhos (HQs) que lhe trouxe destaque pelas tiras bem-humoradas e pela temática que sempre gira em torno de um personagem forte: o cabelo natural crespo. O nome A.N.A. brinca com as iniciais de Angolanas Naturais e Amigos, um fórum online. As tiras podem ser acompanhadas na página da Chiquinha.
Na entrevista a seguir, conheça um pouco mais essa artista, suas impressões sobre trabalhar entre diferentes culturas e sobre a afirmação das identidades. E, no espírito das lusofonias, aproveite para conhecer um pouquinho mais do sotaque e das coisas de Angola.
Fale um pouco sobre o cenário dos quadrinhos de Angola. (falamos em cenário, e não em mercado, para que não fique restrita ao mercado comercial. Ao contrário, preferimos que pense nos quadrinhos que te interessam). O que você leu e lê? O que você recomenda?
Eu era leitora assídua de uma tirinhas Angolanas nos anos 90. O “MANKIKO”, de Sérgio Piçarra, um angolano. Era muito bom, mas já não existe. Aliás o mercado livreiro e editorial em Angola não é muito vivo. Não sei o que se produz agora. Fui convidada a participar de uma exposição de banda desenhada em Angola promovida pelo OLINDOMAR estúdios. Enviei alguns trabalhos, mas nem sei se foram expostos. Eles não voltaram a me contatar. Mas imagino que a banda desenhada, como se chamam os quadrinhos em Angola, estejam sim “vivos e bem de saúde”. Jovens talentosos lá há muitos! Problemas existem nas editoras.
Seu trabalho começou em Angola e agora segue no Brasil. Isso mudou de alguma maneira a inspiração do dia-a-dia que alimenta seu trabalho?
Em Angola eu tenho um livro infantil escrito e ilustrado por mim, mas não tinha feito nada parecido com ilustração em quadrinhos. Os quadrinhos “A Kindumba da A.N.A.” começaram aqui mesmo no Brasil (onde hoje moro) a partir do meu interesse em cabelos naturais, curiosidade e amor aos cabelos naturais crespos. Foi quase por acaso que nasceu “A Kindumba da A.N.A.”. Eu participava de um grupo do Facebook chamado Angolanas Naturais e Amigos (ANA), e lá se discutia muito sobre cabelos naturais.
Na conversa com outras meninas , sempre surgiam cenas do quotidiano engraçadas, chatas, polêmicas, tristes, alegres… enfim, como gosto muito de desenhar, decidi brindar algumas meninas com historinhas que teriam um final feliz e/ou engraçado. Assim nasceu “A Kindumba da A.N.A.”.
O fato de estar no Brasil não mudou, porque a fonte de inspiração continua sendo o cabelo crespo natural, e nada mais. Alguns episódios referem-se ao Brasil especificamente, mas sempre tendo o cabelo como protagonista principal.
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Chiquinha: “Na rua, vejo surgir aos poucos, outro modelo de gente”
Como é, para Chiquinha, trabalhar entre diferentes culturas?
Eu não considero o Brasil tão diferente de Angola culturalmente falando. Aliás, Angola consome atualmente muita cultura do mundo inteiro. Principalmente os mais jovens. Nem a língua chega a ser um entrave à compreensão das tirinhas que faço. Aliás, a maioria dos fãs da “Kindumba da A.N.A.” são Brasileiros. Não sei se porque a internet é mais acessível aqui no Brasil, ou se existem outros motivos para isso.
Para os quadrinhos brasileiros, as possibilidades do mundo online e o aumento da participação de autores fora do eixo Rio-São Paulo parece estar levando a uma maior diversidade, com a inclusão de novos temas e outras visões de mundo nas obras que chegam aos leitores. Do seu ponto de vista, como estrangeira, acredita que é uma tendência? Como foi sua acolhida?
Eu não conheço muitos quadrinhos Brasileiros. Conheço a Turma da Mônica, as charges do Laerte, Henfil… mas não sou leitora assídua de revistinhas em quadrinhos. Então não saberia responder se existe essa tendência de mudança e inclusão de novos temas.
Sobre a minha acolhida, devo dizer que a resposta tem sido bastante positiva. As pessoas gostam de se ver representadas. Eu tento dar à A.N.A uma personalidade leve e agradável, um tipo de abordagem que permita que crianças e adultos considerem os cabelos naturais, simplesmente como eles são: cabelos naturais. A A.N.A vem para imprimir leveza a um tema que poderia facilmente ser revestido de polêmica.
Vivemos um tempo de afirmação das identidades em suas múltiplas variantes – etnia, gênero, religião, e outras. A manifestação dessas identidades é bastante perceptível online, e um dos exemplos é o seu próprio trabalho com “A Kindumba da A.N.A.”. Entende que essa mudança consegue ultrapassar o mundo virtual e firmar-se nas ruas também?
Acho que sim, e devo dizer que as redes sociais permitem que isso aconteça de um modo bastante abrangente. Eu mesma consegui voltar a usar o meu cabelo natural depois de pesquisar no You Tube o que fazer com o meu cabelo, porque eu de fato não sabia como cuidar dele. Não sabia o que usar, como pentear , estilizar, lavar… Depois foi o Facebook, troca de experiências, contato com outras pessoas iguais a mim e a cada dia eu me sentia mais encorajada a perseguir um modelo meu, um modelo que não se vê na televisão , nas revistas, na literatura.
Na rua, vejo surgir aos poucos, outro modelo de gente. Gente que se parece consigo mesma. Gente que não quer se parecer com o padronizado da sociedade pré-fabricada!
*Texto originalmente publicado em Global Voices, rede internacional de blogueiros que traduzem para 35 idiomas, reportam e defendem blogs e mídia cidadã de todo o mundo
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