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Angela Topping e o poeta Ira Lightman (à dir.) durante performance em Manchester
A poeta norte-americana Paisley Rekdal recebeu duas mensagens no Facebook, em janeiro, de colegas com uma notícia perturbadora: um poeta na Inglaterra chamado Christian Ward tinha pego um antigo poema dela e publicado, com pouca alteração, como se fosse dele. A primeira reação de Rekdal foi se perguntar se isso era algum tipo de experimento. Talvez ao mudar o sexo do autor de um poema sobre infidelidade e infertilidade, ele estivesse brincando com novos significados?
Mas então ela viu o “novo” poema, com suas novas quebras de linha e pequenas, mas irritantes, mudanças. Era obviamente uma trapaça, e não uma peça conceitual. “Foi isso o que me deixou furiosa”, disse ela. “Se ele simplesmente tivesse plagiado o poema e publicado com seu nome, eu teria ficado menos aborrecida. Quando eu vi que ele queria tomar parte em algo que eu mesma tinha feito e reivindicar como seu, senti isso como uma violação.”
Rekdal, que respondeu a Ward com um post de blog justificadamente furioso (e depois um outro, mais melancólico), não é a única nestes dias a se sentir violada. O mundo da poesia vivenciou algo como uma epidemia de plágios em 2013. C. J. Allen retirou-se da lista do Forward Prize, da Inglaterra, em setembro, quando se revelou que alguns de seus antigos trabalhos eram plágios. O poeta australiano Andrew Slattery teve três prêmios retirados quando se descobriu que ele tinha copiado Emily Dickinson e Sylvia Plath, entre outros. Quando apanhado, alegou que os poemas tinham sido escritos em forma “cento” (ou poema colagem), na qual cada linha é extraída de uma outra fonte; ele também definiu seu trabalho como “um experimento cínico”.
Graham Nunn, há tempos organizador de um importante festival australiano de poesia, foi acusado de pelo menos oito casos de plágio; em seu blog ele escreveu que “ler e escutar música são parte vital do meu processo” e que “partes do texto original são criativamente apropriadas na formação de um novo trabalho”. Todos esses são poetas publicados e frequentemente premiados – eles não são estudantes ou amadores.
John Blyberg
Biblioteca da Poetry Foundation em Chicago: questão do plágio afeta o mundo literário, acadêmico ou jornalístico
Leitores complacentes
Escrever é uma dança que envolve imitação, inspiração e originalidade. Mas, considerando-se tudo, a desaprovação do plágio nas obras tem permanecido notavelmente consistente ao longo dos séculos –, de fato, mesmo depois de milênios.
T.S. Eliot, que se baseou em outras fontes para boa parte de “The Waste Land” (plágio ou alusão?), escreveu: “Poetas imaturos imitam; poetas maduros roubam”. Menos citada é a frase seguinte: “Maus poetas desfiguram o que pegam”. Isto é o que parece mortificar muitas vítimas de plagiadores: ver seus poemas reimpressos em versões mais fracas do que o original.
Apesar do fato de que o plágio sempre foi tabu, os leitores costumam ser mais complacentes com delitos históricos. Como Thomas Mallon diz em seu perspicaz livro de 1989 sobre plágio, “Stolen Words” (Palavras Roubadas): “Todo mundo gosta de um bom escândalo atualmente… O que nós parecemos bem menos capazes de suportar é aquela cópia em gesso caindo da prateleira da biblioteca: seus estilhaços de algum modo nos incomodam mais do que o corpo vivo caindo do despenhadeiro”. Samuel Taylor Coleridge, por exemplo, era um ladrão inveterado, mas ele permanece solidamente no cânone.
Mais recentemente, o poeta conceitual britânico Ira Lightman, que esteve por trás de muitas das revelações em 2013, envolveu-se apenas porque não viu mais ninguém fazendo isso. “O mundo da poesia é refinado”, disse ele. “As pessoas não gostam de fazer nenhum tipo de barulho.” Lightman resolveu pegar para si a tarefa de vasculhar o trabalho suspeito, alertar as vítimas e divulgar suas descobertas.
Mas mesmo Lightman, que dedicou horas incontáveis no ano passado esquadrinhando os violadores, não quer bani-los indefinidamente. “Eu não vejo todos eles como esses personagens sinistros, conspiradores, maquiavélicos”, disse. “Eu vejo isso como corrupção. E todos nós somos vulneráveis à corrupção.” Ele sugere que os transgressores se esquivem de publicar por alguns anos, provem que são honestos, e então voltem ao grupo.
Reprodução Wikipédia
Os poetas T.S.Eliot (à esq.) e Samuel Taylor Coleridge: escrever envolve imitação, inspiração e originalidade
Reações instintivas
Se os plagiadores não são sinistros nem maquiavélicos, então, por que eles fazem isso? Essa questão surge todas as vezes que há uma nova revelação de plágio, seja no mundo literário, acadêmico ou jornalístico. Nunca há uma resposta satisfatória, mas há pelo menos uma porção de suposições, muitas vezes em desacordo umas com as outras: preguiça ou pânico, narcisismo ou baixa autoestima, ambição ou autossabotagem deliberada. Na poesia, ao menos todo mundo concorda que não é por dinheiro. Mas alguém escreve só pelo dinheiro? Laurence Sterne, o autor de “Tristram Shandy”, também plagiador, disse que escrevia “não para se nutrir, mas para ser famoso”. Agora, claro, ele é. Funcionou.
A Internet tornou tanto o plágio como sua descoberta muito mais fáceis para qualquer um. Mas os grandes casos surgidos em 2013 se referem todos a poetas britânicos e australianos, em geral, mas nem sempre, copiando americanos. Apesar de haver alguma especulação de que nosso caráter nacional nos torna menos propensos a plagiar – americanos são obsessivamente respeitadores da propriedade privada! Os egos dos americanos são grandes demais para que confiem no trabalho de outras pessoas ––há também a possibilidade de que os americanos simplesmente têm sido bem sortudos por não serem apanhados no atual arrastão.
As reações instintivas do plagiado são difíceis de prever. O poeta e ensaísta H.L. Hix, por exemplo, descobriu em outubro que seu trabalho tinha sido incluído por Grahan Nunn em uma antologia de poemas de amor. Ele disse que sua primeira reação ao receber a notícia de Lightman foi de pura surpresa. “Como poeta a gente se acostuma a ser completamente ignorado.”
Existe algo como uma solução para uma história de plágio? Plagiar não é um crime, não há uma punição universalmente aceita para isso, e a perfeita expressão de remorso pode nunca acontecer. Hix, por sua vez, diz não ter planos de entrar em contato com Graham Nun. “Esses eram poemas de amor que foram roubados”, disse ele. “Não tenho nenhum interesse maior em falar com o sr. Nunn do que eu teria com uma pessoa que tivesse entrado em minha casa e roubado minha propriedade.”
Tradução Maria Teresa Souza
Texto originalmente publicado no site da Poetry Foundation, instituição independente dedicada à literatura e à divulgação de poetas e seus trabalhos.
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