Luigi Guarino
Praça central em Duchambe, capital do Tadjiquistão: mudança de nomes de ruas e placas levará décadas
Como se diz “pizza” em tadjique? Estranhamente, não há um termo nativo. Portanto, as autoridades inventaram uma palavra nova que acreditam soar tadjique o suficiente: “pitzo” [pronunciado como pít-zo]. Os restaurantes são obrigados a usá-la.
Os funcionários do governo têm passado muito tempo se preocupando com a “tadjiquificação” das palavras, recentemente. Enquanto alguns tadjiques dizem que isso ajuda a promover a identidade nacional, outros argumentam que o governo está se distanciando das questões que dizem respeito à população do mais pobre país criado após a queda da União Soviética.
Durante uma conferência jornalística em fevereiro de 2014, o chefe do Comitê do Estado para a Língua e a Terminologia, Gavhar Sharofzoda, disse que em 2013 seu departamento inspecionou 266 estabelecimentos para verificar o cumprimento da legislação nacional sobre o uso da língua, que designa o tadjique como o idioma oficial do país e o russo como língua de “comunicação internacional”. A lei também afirma que toda sinalização deve estar no idioma oficial, sendo traduzida para qualquer outra língua. Isto torna o caso das palavras de origem estrangeiras, como “pizza”, problemático. Sharofzoda disse que seu departamento multou 64 estabelecimentos em cerca de US$120, no último ano.
Dentre as centenas de mudanças resultantes das inspeções, a popular cadeia de fast-food Chief Burger Pizza, em Duchambe, capital do Tadjiquistão, passou a se chamar Burger va Pitzo (hambúrguer e pizza). Outro restaurante foi notificado de que não poderia mais manter uma placa com texto escrito no alfabeto latino (o tadjique é escrito no alfabeto cirílico); uma loja de roupas que recebia o nome da grife italiana Brioni teve de ser rebatizada como “Roupas”. Sharofzoda disse que o projeto busca “desenvolver a língua tadjique”.
Palavrão russo
Os líderes políticos pós-comunismo de toda a região da antiga União Soviética tentaram reafirmar a idoneidade política de seus respectivos Estados construindo identidades nacionais, particularmente por meio da substituição do russo pelas línguas locais – e não apenas nas comunicações do governo, como também em sinalizações e apostilas escolares. Em inúmeras cidades, as antes onipresentes ruas Lênin foram renomeadas em homenagem a heróis locais. Mas reformular idiomas é mais complicado do que trocar nomes de ruas.
Anin Sharipov, gerente do ex-Chief Burger Pizza, defende o nome antigo, dizendo que ele era amplamente conhecido e compreendido por todo mundo, a despeito da nacionalidade. O local agora é mais conhecido por seu novo nome, Burger va Pitzo, do que por sua comida, reclama Sharipov, dizendo que muitos riem do novo nome porque a palavra “pitzo” é semelhante a um palavrão russo.
“Este local esteve em funcionamento por sete anos e já conquistou uma clientela leal. O nome não alterou o número de fregueses, mas ainda assim as pessoas entram e começam a falar e rir de 'pitzo', esta estranha palavra tadjique para pizza”, disse Sharipov no site EurasiaNet.org. “Mesmo palavras internacionais que são semelhantes em todas as línguas foram traduzidas para o tadjique. É claro que nós não concordamos com isso porque as pessoas já aceitaram, digamos, a palavra em inglês. Mas não queremos ter problemas [com as autoridades]”.
Desta forma, o “chief special” [especial do chefe] do restaurante tornou-se, literalmente, “hambúrguer especial em nome do chefe”; já o “lemon tea” [chá de limão], “chá três-em-um”, porque inclui três ingredientes: chá, açúcar e limão.
Pizzas e hambúrgueres podem não parecer uma questão séria, mas o debate surgiu apenas algumas semanas após muitos tadjiques terem visto um oficial do governo tocar em uma ferida, ao dizer que os nomes ditos russificados são antipatrióticos.
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Troca de sobrenomes
Escrevendo em um jornal do governo no dia 21 de janeiro de 2014, o procurador-geral, Sherkhon Salimzoda, disse que os tadjiques que continuam a usar os sufixos rusos “ov” e “ova” em seus sobrenomes demonstram “o baixo nível de identidade nacional e patriótica existente entre as gerações mais novas”. O presidente Imomali Rakhmon fez de si mesmo um exemplo, em 2007, ao alterar seu nome original, Rakhmonov. Embora muitos tajiques tenham eliminado os sufixos russos na década de 2000, um número crescente deles está voltando a usá-los para conseguir viajar com mais facilidade para a Rússia, onde mais da metade da população do sexo masculino em idade de trabalho está em atividade.
O analista político Iskander Firuz diz que qualquer campanha quanto aos sobrenomes exigirá tempo e não poderá ser forçada. “A geração que viveu sob o regime soviético por mais de 70 anos reluta em se desfazer de certos aspectos daquele período”, disse ele ao EurasiaNet.org, acrescentando que a mudança levará “décadas”.
“Além disso, um fluxo constante de trabalhadores imigrantes tajiques [para a Rússia] dificulta o processo. Sabemos como pessoas que não possuem sobrenomes russos são tratadas mal [na Rússia]”, complementou Firuz.
As mudanças contam, é claro, com apoio. Quase 300 membros de um grupo do Facebook que se auto-intitula Língua Persa assinaram uma carta em apoio das trocas de sobrenomes, das traduções forçadas dos menus e da adoção da palavra 'pitzo'.
“Alguns perguntam: 'quem precisa de uma reforma no idioma, quando não temos sequer eletricidade?' Eles não compreendem que a reabilitação do sistema elétrico não é um encargo do Comitê do Estado para a Língua e a Terminologia. Alguns se ressentem da troca de 'pizza' por 'pitzo'. Mas eles não conhecem a língua tadjique pura”, disse a carta. O Comitê para a Língua “é profissional e digno de apoio”.
Rápido demais
Outros estão envergonhados. O tajique é um primo próximo do persa moderno, falado no Irã, mas a introdução de palavras persas pode soar forçada aos ouvidos tajiques. Gulbahor Tagjieva, uma dona de casa de 43 anos de Duchambe, diz que os tadjiques estão acostumados com palavras internacionais e que novas palavras não soam bem. “Por exemplo, palavras como 'stomatolog' [russo para 'dentista'] ou 'dentist' são aceitas em toda parte; novas palavras, como 'dandonpizishk' [um neologismo tadjique, significando 'médico de dentes'] são pouco claras para uma pessoa média e soam estranhas”. (A palavra “pitzo” não existe no persa, mas soa parecida à forma como alguns iranianos pronunciam “pizza”).
O comentarista de destaque Zafar Abdullaev apoia a mudança gradual dos nomes das ruas e placas para o tadjique. Mas ele diz que o processo está ocorrendo rápido demais, a custo de novos problemas. “Na prática, esta política está cheia de excessos, violações das regras da lógica e da racionalidade. Ela causa uma indignação compreensível”, disse Abdullaev ao EurasiaNet.org. “Outros problemas, como a reforma e a luta contra a corrupção, deveriam ser priorizados. A cultura e a identidade nacional se desenvolvem automaticamente por meio do bem estar e do sucesso internacional de uma nação”.
Sob a lei tadjique, todas as sinalizações públicas, incluindo itens de menu e nomes de lojas de roupas, precisam estar redigidas no idio0ma oficial e ser traduzidas do tadjique, caso também tenham de aparecer em outro idioma. Há um outdoor em Khujand, com o retrato do presidente Imomali Rakhmon, que diz, em tajique: “O futuro do Tadjiquistão é brilhante”.
Tradução Henrique Mendes
Texto originalmente publicado em Eurasianet, site sediado em Nova York dedicado à cobertura de notícias e análises principalmente sobre países da Ásia Central, Cáucaso e Rússia
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