Pela segunda vez na história do Mundial de Futebol, o Brasil é o país anfitrião do maior evento esportivo do planeta. Talvez a principal diferença entre o torneio de 1950 e o de 2014 esteja no alcance e na instantaneidade com que bilhões de pessoas acompanham os jogos, resultados e fatos relacionados à Copa.
Ao mesmo tempo em que o futebol e as Copas ganharam cada vez mais adeptos e torcedores, maior passou a ser a cobertura da mídia do evento que acontece a cada quatro anos. No caso do Brasil de 2014, são cerca de 20 mil jornalistas de todos os cantos do mundo relatando, fotografando e mostrando o que acontece no país.
A Samuel, agora em sua versão eletrônica, também dedica o período da Copa a trazer o que a mídia independente do Brasil e do mundo vem registrando sobre o antes, o durante e o depois do evento, seus participantes e espectadores. Textos e vídeos postados diariamente darão a medida dos diferentes olhares e observações que irão marcar o cotidiano dos 32 países representados no evento.
Veja todo o material do especial Samuel na Copa:
A intimidade dos brasileiros com a essência do futebol
Seleção australiana tem música oficial gravada por cantora pop
“Allez les bleus! Viva l'Algérie!”
Pikachu pega carona na seleção japonesa
Honduras: onde o futebol explica a sociedade
Um amor tão grande pela Itália
Somos gigantes, somos fortes, somos os nigerianos
O bem-humorado fantasma uruguaio
As surpresas da seleção da Rússia
Cinco falácias e cinco verdades sobre a Copa
Smabs Sputzer
O zagueiro da seleção belga Vincent Kompany: diversidade étnica da equipe ajudou a conciliar também os cidadãos
O conceito é conhecido como “Belgitude”, e seu rosto é o dos milhares de jovens que encheram as praças da Bélgica para comemorar a classificação para a Copa, em outubro de 2013. O termo foi cunhado pelo escritor Pierre Mertens em 1976 e fazia alusão à perene incompletude da identidade belga.
O conceito, porém, já tomou outro sentido: a “Belgitude” dos dias de hoje representa um patriotismo renovado que, graças à bola, está sendo redescoberto pela Bélgica. Um sentimento quase inédito em um país historicamente dividido, onde flamengos e valões têm pouco ou nada em comum.
No fim de 2012, a N-Va (sigla do partido belga Nova Aliança Flamenga), triunfava nas eleições municipais de Antuérpia, e em Flandres, região rica e industrial no norte do país, a independência voltou a ser abertamente discutida. Para isso, os separatistas precisariam conseguir a maioria das cadeiras nas eleições de maio de 2014. Pela primeira vez o projeto separatista parecia ter chances concretas, visto o crescente clima de insatisfação devido à alta taxação do governo Di Rupo e à austeridade imposta pela União Europeia. No fim de 2013, porém, a N-Va apareceu com 27% nas pesquisas de intenção de voto – primeira vez abaixo dos 30% desde 2010. Comentaristas políticos belgas foram unânimes em atribuir a mudança ao “efeito Diabos Vermelhos”.
Contra a seleção
O sucesso da seleção de futebol, junto com a coroação do rei Philippe e do Nobel da Física de François Englert, estão unindo novamente o país. Não por acaso, em Flandres a classificação da Bélgica para a Copa de 2014 não foi festejada por todas as pessoas. Jan Peumans, presidente do parlamento regional flamengo e expoente da N-Va, admitiu ter torcido contra a seleção e disse considerar a “Belgitude” ridícula. O líder do partido, Bart De Wever, foi mais diplomático: ao ser questionado se torcia pela Bélgica, preferiu não responder. Já Elio Di Rupo, que assumiu como primeiro-ministro em 2011, depois de o país ter ficado 540 dias sem governo, tem surfado a onda vermelha.
Di Rupo, primeiro líder francófono desde 1979, fez questão de ser fotografado com os jogadores no aeroporto assim que eles voltaram da campanha vitoriosa nas classificatórias. Os jogadores parecem conscientes do papel político que têm desempenhado, e não se intimidam. “A Bélgica é de todos”, teria sido o comentário não pouco polêmico do capitão Vincent Kompany, logo após assegurar a viagem para o Brasil.
Divulgação
Elio Di Rupo: o primeiro-ministro belga fez questão de ser fotografado com os jogadores da seleção
Segunda geração
Kompany, zagueiro do Manchester City, nasceu há 27 anos em Uccle, próximo a Bruxelas, filho de pais congoleses. Na equipe convivem na santa paz valões como Eden Hazard, fenômeno do Chelsea, flamengos como Vermaelen e Merten, do Napoli, e um grupo extraordinário de naturalizados e imigrantes de segunda geração. Kompany compartilha as origens congolesas com Lukaku e Benteke; Moussa Dembele vem do Mali; e Axel Witsel, que em 2012 recebeu 40 milhões de euros do Zenit de São Petersburgo, vem da Martinica.
Há também a colônia marroquina da seleção: Fellaini, o cabeludo do Manchester United, e também Bakkali e Chadli. Marc Wilmots é o treinador, ex-meiocampista chamado “porco de combate” pela sua garra. Característica demonstrada também na política: Wilmots foi eleito parlamentar em 2003 com o Movimento Reformista francófono, rival da Nova Aliança Flamenga. Como técnico, foi capaz de remodelar a equipe e deu a sorte de dispor de todos esses talentos. Uma geração de fenômenos, em cujo encalço já está surgindo outra: a Sub-21 belga, rival da Itália nas classificatórias, já deu mostras do que está por vir.
Tudo começou há cerca de 15 anos, quando as instituições esportivas decidiram investir pesado nos setores juvenis e na integração. Uma estratégia que em pouco tempo permitiu aos Diabos Vermelhos voltar a meter medo nas grandes potências europeias e sul-americanas. E também nos separatistas do norte, que veem seu sonho se desfazer a cada grito de gol.
Tradução Carolina de Assis
Texto originalmente publicado em Il Fatto Quotidiano, jornal impresso diário, com versão eletrônica, criado em 2009, com sede em Roma.
NULL
NULL