Embaixada dos EUA em Tel Aviv
O Embaixadoor dos EUA em Israel, Dan Shapiro (ao centro), em visita a bairro judaico tradicional em Jerusalém
Meses atrás, a jornalista norte-americana Sharon Jacobs recebeu uma mensagem do Centro da Comunidade Judaica (JJC, na sigla em inglês) de Washington, Distrito de Colúmbia, dizendo curiosamente que a entrada dela para o evento de um livro de minha autoria havia sido reembolsada.
O JJC tinha me convidado para falar sobre meu livro de memórias, “What Do You Buy the Children of the Terrorist Who Tried to Kill Your Wife?” (o que comprar para os filhos do terrorista que tentou matar sua mulher?), que trata da minha reconciliação com a família do homem que perpetrou o atentado contra a Universidade Hebraica em 2002, um ataque que feriu minha mulher e matou dois amigos dela. O JCC explicitamente me convidara por causa do foco do livro no poder do diálogo para superar distâncias difíceis.
Mas quando os organizadores ficaram sabendo da minha opinião de que o uso de sanções econômicas pelos palestinos é uma forma legítima de oposição não violenta a Israel, de repente eles não pareciam mais interessados em patrocinar o poder do diálogo. Descobriu-se que o JCC havia discretamente cancelado o evento por conta desse ponto de vista político.
Como professor de estudos judaicos e sionista progressista que tem dedicado sua vida profissional à comunidade judaica, naturalmente fiquei desapontado. Mas logo depois, Sharon Jacobs escreveu um artigo no “Washington Post” criticando a decisão do JCC. Minha caixa de entrada ficou repleta de mensagens de apoio de pessoas e organizações. E algumas das notas mais tocantes eram de pessoas com pontos de vista políticos muito diferentes dos meus. A Martin Luther King Jr. Memorial Library, a organização J Street e o Movimento Paz Agora uniram-se para realizar um evento próprio no final daquele mês, de modo que eu pudesse contar minha história de reconciliação na capital dos Estados Unidos.
Ataques da direita
Essa reação pública à decisão do JCC evidencia a crescente divisão entre as instituições judaicas nos Estados Unidos, com frequência influenciadas por doadores de direita, e interesses “pró-Israel”, e a comunidade judaica liberal, que é maior. Isso revela uma crise contaminando a comunidade judaica americana, na qual líderes institucionais estão decidindo quem deve ou não fazer parte de uma comunidade, com base em suas opiniões políticas sobre Israel.
Eventos são cancelados e judeus estão sendo colocados em uma “lista negra” em ritmo preocupante, mesmo por organizações pluralistas e não ligadas a práticas religiosas.
Um exemplo bombástico ocorreu em fevereiro quando John Judis, editor sênior da “The New Republic” teve o evento de divulgação de seu livro cancelado pelo Museum of Jewish Heritage em Nova York. O livro de Judis, “Genesis: Truman, American Jews, and the Origins of the Arab/Israeli Conflict” (Gênesis: Truman, judeus americanos e as origens do conflito árabe-israelense) é um trabalho histórico, de profunda pesquisa, que examina como o presidente Harry Truman discretamente preferia uma Palestina federativa a dois Estados separados.
Judis sofreu ataques da direita. O Museum of Jewish Heritage, com medo das repercussões, cedeu àqueles que alegavam que o seu livro não era um trabalho acadêmico, mas uma tentativa de deslegitimar Israel. A iniciativa desencadeou tamanho furor dentro das comunidades judaica e americana que o evento foi reprogramado; seu diretor admitiu que revertera a medida para evitar “o feio espectro de sucumbir à pressão e ceder à influência externa”.
Discussões impedidas
No entanto, outras organizações não parecem preocupadas com o “feio espectro”. As diretrizes sobre Israel estabelecidas pela Hillel International [ a maior organização estudantil judaica no mundo] efetivamente impedem mais de 600 centros de estudantes de todo o mundo de permitirem oficialmente uma discussão sobre boicote, desinvestimento e sanções, ou de abrigar quem tenha alguma vez “deslegitimado” Israel ou alguma de suas políticas. As diretrizes também rejeitam qualquer um que alguma vez tenha atribuído um “duplo padrão” a Israel – uma orientação genérica que pode englobar qualquer um que alguma vez tenha criticado o país.
A Hillel alega ser uma organização não religiosa que patrocina o “pluralismo político”, mas essas diretrizes vêm de doadores “pró-Israel” e interesses da direita – incluindo a Aipac (sigla em inglês para Comitê de Assuntos Públicos Israel-EUA) –, que não representam os pontos de vista da maioria dos judeus em idade universitária ou a comunidade judaica de modo mais amplo. Na realidade, essas orientações desencadearam o crescente movimento Open Hillel (a Hillel aberta).
O JCC de Washington, que cancelou meu evento, sucumbiu repetidamente a esse tipo de pressão. Reduziu o período de apresentações da celebrada peça teatral “The Admission” depois que um grupo “pró-Israel”, de direita (criado especificamente para fazer campanha contra essa obra), pressionou com sucesso a federação local que custeia o JCC. E retirou o jovem grupo musical “Shondes” da programação de seu festival por causa das opiniões de um de seus membros sobre Israel.
David Holzel
David Harris-Gershon no evento sobre sua obra em Washington: participações canceladas e presença na “lista negra”
Enredo de ficção
Essas iniciativas e posturas estão fragmentando a comunidade judaica americana, algo apoiado por alguns dos principais líderes institucionais judaicos nos EUA. William Daroff, diretor do escritório de Washington da Federação Judaica da América do Norte, escreveu que progressistas como eu deveriam ser deixados de fora das entidades comunitárias por conta de suas opiniões políticas.
Há pouco tempo, a entidade pró-Israel J Street teve negada a entrada na Conferência de Presidentes, sem receber um pedido de desculpas, por causa de suas críticas às políticas do Estado e seu apoio à solução de Dois Estados.
Quantas centenas de milhares de judeus liberais serão do mesmo modo deixados de lado pela comunidade judaica por opiniões que líderes institucionais determinam que são inaceitáveis? O historiador Gershom Gorenberg recentemente escreveu que “a luta americana contra o que não se pode dizer sobre Israel, e onde você não pode dizer, sempre vai soar para um israelense como se fosse um enredo de Lewis Carroll”.
Isso tudo seria engraçado se não fosse tão importante em nível político. A comunidade judaica americana tem uma significativa influência na política externa dos Estados Unidos no que se refere ao conflito palestino-israelense. Se nós somos tão incapazes de discutir e debater francamente questões de crítica importância, que afetam ambos os lados – a ocupação vigente, a empreitada dos assentamentos, a contínua supressão dos direitos humanos palestinos –, nós não seremos capazes de resolvê-los.
John Judis considera que esses debates estão crescendo nos EUA, Se ele estiver certo, isso não se deve aos nossos líderes judaicos.
Tradução: Maria Teresa de Souza
Texto originalmente publicado em +972, revista eletrônica produzida por blogueiros, jornalistas e fotógrafos cujo foco são matérias e análise sobre eventos em Israel e Palestina.
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