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Refugiados da República Centro-Africana observam desembarque de equipamentos no aeroporto Internacional M’Poko, em Bangui, capital do país
Em março de 2012, oficiais de baixa patente deram um golpe de Estado no Mali, mergulhando o país na desordem. Um ano depois, rebeldes derrubaram o governo da República Centro-Africana, abrindo caminho para a violência disseminada que levou um quarto da população do país à condição de refugiados. Em dezembro do mesmo ano, um conflito político interno no partido governista e no Exército do Sudão do Sul transformou-se em uma guerra civil em grande escala, matando dez mil pessoas ou mais.
Esses conflitos diferem amplamente em quase todos os aspectos, com exceção da sensação de surpresa e impotência que instilam na comunidade internacional. O Mali era enaltecido como um modelo de democracia antes que alguns soldados tomassem o poder quase por acaso. O governo francês, que havia décadas era a principal influência no governo da República Centro-Africana, confessou ter sido pego de surpresa pela velocidade e crueldade com que o conflito se intensificou. E no Sudão do Sul a organização regional para desenvolvimento IGAD (Intergovernmental Authority on Development) teve dificuldades para reagir ao conflito, pois estava despreparada e divergia internamente sobre como exatamente proceder.
Em todos esses três casos a surpresa limitou amplamente a influência da comunidade internacional que, se estivesse mais bem preparada, não só teria intervindo antes e com mais eficácia, mas talvez pudesse ter adotado medidas preventivas. Esse despreparo foi ainda mais vergonhoso porque em todas as três situações a irrupção do conflito tinha sido prevista por modelos estatísticos.
Prevendo conflitos
Jay Ulfelder é um dos principais acadêmicos no campo da previsão de conflitos. Desde 2012 ele publica anualmente pelo US Center for the Prevention of Genocide (Centro dos EUA para Prevenção do Genocídio) uma previsão anual de golpes e trabalha fazendo prognósticos de assassínios em massa conduzidos por Estados.
Em 2012, apenas alguns meses antes do golpe, o prognóstico de Ulfelder colocava o Mali no topo dos dez países com maior risco de tal ruptura – indo contra sua imagem internacional de modelo de democracia. Em 2013, os cálculos de Ulfelder puseram a República Centro-Africana e o Sudão do Sul na lista dos 20 países com mais risco de golpe de Estado.
É claro que nem todos os países no topo da lista sofreram golpes, mas isso também era esperado, de acordo com Ulfelder. “A probabilidade de essas coisas acontecerem em um ano particular é geralmente muito baixa”, diz ele, “mas certamente podem ser eventos de alto impacto, portanto, de qualquer modo eles justificam maior atenção”.
Ulfelder usa um conjunto de informações de cada país em seus modelos de prognósticos sobre golpes e assassínios em massa conduzidas por Estados, incluindo crescimento econômico e dados de renda, bem como índices sobre o estado das instituições democráticas e o período desde que o último golpe ocorreu. Então, ele calcula o risco da ocorrência de conflitos com base nas circunstâncias em que os conflitos ocorreram no passado: se uma certa característica (por exemplo, a pobreza) esteve no passado associada com conflitos, os países que continuam com essa característica terão uma elevada probabilidade de vivenciar novamente a violência.
De certo modo, esses modelos estatísticos “aprendem” com o passado, diz Ulfelder, mas essa é apenas uma das principais fraquezas: “[Nenhum modelo] teria mostrado o Egito como especialmente sob alto risco em 2011”, observa. “Os modelos ‘aprendem’ com a história que lhes foi mostrada, e nas últimas poucas décadas a maioria dos golpes ocorreu em países pobres com regimes políticos autoritários ou pseudodemocráticos, e não em autocracias de renda média [como o Egito]. Será interessante ver como os modelos e prognósticos mudam assim que eu incluir dados dos últimos anos no processo de estimativa.”
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Reprodução
Mapa de países sob risco de golpe de estado, criado por Jay Ulfelder: modelo de prognóstico usa diferentes informações de cada país
Dados melhores
Segundo Ulfelder, um dos principais empecilhos para prognósticos mais precisos é a prontidão dos dados disponíveis. “Eu preciso de dados de 2013 para produzir previsões para 2014. Infelizmente, muitas das fontes das quantificações usadas nesses modelos levam vários meses para publicarem seus dados referentes a 2013”, escreveu ele em seu blog de apresentação do último prognóstico. Isso significa que em suas previsões para 2014, por exemplo, ele está em grande parte usando informações de 2012.
Um conjunto de dados que pode fazer muito para melhorar a prontidão das previsões é o Global Database of Events, Language and Tone (GDELT). “Um evento registrado na base de dados do GDELT”, explica John Beieler, estudante de doutorado do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual da Pensilvânia, “é composto por dados como o que cada um faz para alguém. Por exemplo, ‘rebeldes sírios atacaram o governo sírio’”. Esses eventos são conectados “sem envolvimento humano”, diz Beieler. Incidentes de todas as partes do mundo são extraídos das notícias on-line e codificados por um programa. O resultado é um banco de dados robusto que remonta ao ano de 1979 e é atualizado diariamente.
Com maior inserção de dados, Beieler argumenta que ferramentas como o GDELT poderiam ajudar a enfrentar esses desafios. “Embora você não possa usar de fato o GDELT para extrair bits individuais”, diz ele, “você pode usá-lo para criar um termômetro de diferentes lugares”, tais como checar se uma certa região está mais violenta este mês do que no último.
Com dados mais minuciosos e atualizados, os prognósticos tendem a ficar mais precisos. Mas como o próprio Ulfelder admite, a frequência real de golpes é muito baixa e, mesmo nesses países considerados de alto risco, é improvável que haja de fato um golpe. No entanto, como Ulfelder também explica, o foco da previsão não é tanto o de acertar, mas de chamar a atenção.
As classificações de risco, nesse sentido, são um ponto de partida útil em vez de algo definitivo por si só – eles são um indicador para organizações internacionais, diplomatas e ONGs de que deveriam prestar atenção especial a certos lugares e, de modo firme, proceder às próprias análises quantitativas. Este talvez seja especialmente o caso quando a inclusão de certos países desafia a sabedoria convencional – na lista deste ano tais exemplos poderiam ser Ruanda, Angola e Burkina Fasso.
Tradução Maria Teresa de Souza
Texto publicado originalmente em Think Africa Press, revista on-line com matérias e artigos sobre temas relacionados a países africanos