Imagem via Art Residence Aley
Performance “Free me”, do artista Hamdi Jouini
Um jovem artista solitário pinta de forma profusa pelo gramado. Ele espalha cores fortes com pinceladas dramáticas de um lado a outro da tela. De vez em quando, para, se afasta e contempla o próprio trabalho. Há um espaço em branco na tela que o faz se preocupar com o que ou como preenchê-lo.
“Ele está assim desde que chegou aqui na casa”, diz Raghad Mardini, artista e ativista síria. “Ele chegou da Síria há uns dez dias e se concentrou na pintura. Ele fala pouco, mas pinta muito.”
Mardini administra o Art Residence Aley (ARA), projeto que oferece residência e comissiona os trabalhos de jovens artistas provenientes da Síria durante a estadia na casa. De duas a quatro semanas, duas novas pessoas têm a oportunidade de viver e trabalhar na casa, na cidade montanhosa de Aley, no Líbano, com materiais de trabalho e necessidades básicas fornecidas gratuitamente pelo ARA.
Robin Bahhi e Farah Azrak são artistas sírios recém-chegados de Damasco. Eles trabalham com mídias diferentes, mas se juntaram para trabalhar em um projeto de videodança durante sua estadia na residência. Bahhi, artista multidisciplinar cujo foco é videoarte, explicou que dedicará seu tempo na casa para entender melhor a arte da videodança.
“Esta forma de arte é relativamente nova. É uma arte híbrida entre dança e videoarte. Entretanto, não é somente o vídeo de uma apresentação de dança, nem uma performance feita para a câmera. É uma integração das duas mídias artísticas.”
“Antes da filmagem, um ator encenaria no palco para expressar uma tragédia”, Bahhi explica. “Quando a câmera surgiu, novos horizontes foram abertos e a tragédia começou a ser expressa de forma diferente, em diversas cenas, por exemplo. A mesma situação ocorreu com a dança: no começo, ela foi feita para o palco, hoje, com a introdução da câmera, há novos horizontes para serem explorados e descobertos.”
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Azrak é estilista e possui anos de experiência com a dança. Antes de sua chegada em Aley, ela viajou ao Reino Unido para complementar sua educação e carreira longe de casa.
“Conheci Robin quando voltei a Damasco. Decidimos, juntos, nos inscrever para o ARA para que pudéssemos dedicar um tempo ao estudo desta nova forma de arte.”
“A dança é uma jornada interna para mim”, continua Azrak. “Tudo à minha volta estava mudando, mas a dança continuava me dando um senso de continuidade. Videodança não é só coreografia, mas uma série de movimentos que pode se dividir, e que se relaciona com o diretor, com a câmera, com o dançarino, com o tempo e o espaço. Para entender melhor esse tipo de dança, é necessário que a dança seja quebrada em uma série de movimentos; por meio disso, estou redescobrindo o corpo, como ele se expressa, a capacidade que ele tem de ter sua própria linguagem. Estou aprendendo como mergulhar até o âmago e a projetar um sentimento honesto, sem barreiras.”
Para artistas como Azrak e Bahhi, a casa serve como um ateliê em que talentos emergentes podem se expressar e criar livremente, explica Mardini. Além disso, é uma chance de cada um deixar os problemas de lado e se concentrar na sua arte.
A casa está acomodada em um celeiro de 200 anos, arrendado e reformado por Martini em 2011, logo após o início da guerra na Síria. Ela tem uma sala de estar confortável, com uma lareira e sofás-camas de um lado, e cozinha e banheiro de outro. Do lado de fora do celeiro, um grande jardim e uma nogueira de cem anos de idade fazem o papel de anfitriões para os visitantes.
“A nossa história e a da nogueira são parecidas”, Mardini conta. “Quando cheguei aqui, ela tinha secado. Os donos pensavam que ela estava morta e queriam cortá-la. Mas percebi que não estava morta, mas doente e triste, porque ninguém estava cuidando dela. Decidi tratá-la, assim como decidi cuidar desse lugar. E da mesma forma que a árvore floresceu, nós também crescemos.”
Imagem via Art Residence Aley
Raghad Mardini, a criadora do Art Residence Aley
Para Mardini, é nas horas difíceis que os sírios precisam produzir arte. O mundo hoje associa ser sírio a ser refugiado, a mortes e destruição, diz ela. “Mas ao produzir arte”, continua, “nós mostramos que ser sírio é também resistir e ser capaz de criar vida em meio a tantas mortes.”
“A experiência de se viver em comunidade é muito importante também”, Mardini explica. “Os artistas conhecem os visitantes e participam de reuniões comunitárias regulares. Eles se sentem apoiados por estarmos todos juntos.”
Durante o projeto, os artistas são apresentados a galerias em Beirute e redondezas para ajudá-los a fazer contatos para se estabelecerem quando a estadia chegar ao fim. Em troca, cada artista deixa uma obra de arte na casa no fim do seu período, criando uma coleção que Mardini espera que transforme o celeiro em um museu de arte síria.
Telas e esculturas de todos os tamanhos já ocupam a maior parte do espaço. Três delas pertenciam à Mwafak Mkalad, o terceiro artista morador da casa.
“É difícil me expressar por palavras, por isso pinto o tempo todo”, explica Mkalad. “Estou pintando imagens de pessoas que significaram algo para mim depois de passar 25 anos na Síria.”
“Estou aprendendo muito com a minha estadia aqui. Descobri que a vida deve seguir em frente, que não posso continuar triste e inativo. Quero desenhar o tempo todo, mas sem pensar em quem verá o meu trabalho, quem o julgará, ou se alguém irá comprá-lo. Só estou tentando expressar verdadeiramente o que estou sentindo.”
Tradução: Isis Shinagawa
Matéria original publicada no site NOW Lebanon, fonte online de notícias, reportagens e análises sobre o Líbano e o Oriente Médio e mundo árabe.