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Pesquisadoras no laboratório de farmácia da Universidade Hajvery, Lahore, cidade na província de Punjab, no leste do Paquistão
Na última década, o Paquistão viu um súbito aumento no número de pessoas com doutorado no país. Em 2002, as instituições de ensino superior paquistanesas aceleraram a marcha e o número total de doutorados concedidos naquele ano chegou a quase quatro mil, uma cifra significativamente alta, considerando o fato de que apenas 3.321 doutores se formaram ao longo dos primeiros 55 anos de existência do país.
A reforma da Comissão de Ensino Superior (HEC, na sigla em inglês), em 2002, conduzida pelo Dr. Atta-ur-Rahman, ex-ministro de Ciência e Tecnologia e ex-presidente da HEC, ajudou a desenvolver novas estratégias para as instituições educacionais paquistanesas. A HEC ofereceu novas bolsas, aprovou subsídios para pesquisa e convidou docentes de faculdades estrangeiras para orientar as pessoas candidatas a um doutorado. Isto aumentou muito o número de estudantes que obtiveram o título nos últimos dez anos, e espera-se que as instituições acadêmicas de todo o país concedam o grau com ainda mais frequência nos próximos três anos.
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No entanto, com este incrível aumento no número de pessoas com doutorado (principalmente no âmbito das ciências exatas), surge uma questão importante: qual é o futuro delas no Paquistão? Será que conseguirão se beneficiar plenamente de sua formação em um país onde há tantas incertezas e instabilidade econômica?
De acordo com um estudo intitulado 'A Fábrica de PhDs', publicado na revista Nature – renomada publicação científica internacional –, essa é uma tendência global, e “o crescimento não apresenta sinais de que vá diminuir: a maioria dos países está investindo no ensino superior, já que acredita que profissionais educados é a chave para o crescimento econômico. Contudo, na maior parte do mundo, cientistas com doutorado talvez não consigam se beneficiar plenamente de suas qualificações”.
O estudo afirma ainda: “Em alguns países, incluindo os EUA e o Japão, pessoas que estudaram por muitos anos e investiram dinheiro para se tornarem pesquisadores enfrentam queda cada vez maior na disponibilidade de empregos na academia, e o setor industrial é incapaz de absorver o excedente. A oferta ultrapassou a demanda e, embora poucos doutores acabem desempregados, não está muito claro se passar anos em busca deste alto nível de qualificação vale a pena”.
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O Paquistão estará também produzindo mais cientistas do que é capaz de absorver? Temos cargos acadêmicos e empregos na área de pesquisa suficientes para acomodar o fluxo crescente de cientistas? De acordo com a Dra. Mariam Sultana, professora da Universidade Urdu de Karachi e primeira mulher a exercer a profissão de astrofísica no país, o Paquistão pode ser um caso diferente, com o aumento no número de pessoas com doutorado ajudando a criar uma demanda por cientistas no setor industrial.
“Nós nunca vimos uma tendência similar a esta antes”, diz Sultana. “Hoje há muito mais cientistas, as pessoas podem se conscientizar sobre o que pessoas com doutorado podem lhes oferecer. Nós temos as habilidades de pesquisa para ajudar a produzir conhecimento e eu acho que estamos no processo de criar um mercado no qual doutoras e doutores serão necessários, ajudando não apenas as instituições acadêmicas, como também o setor industrial”.
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No que diz respeito aos cargos acadêmicos, o Dr. Anwar Nasim, geneticista molecular e secretário-geral da Academia de Ciências do Paquistão, em Islamabad, acredita que sempre haverá a necessidade de acadêmicos qualificados nas universidades. Atualmente, existem 150 instituições de ensino superior no Paquistão e, de acordo com Nasim, novas surgirão no futuro, o que significa que haverá uma constante demanda por professores qualificados. No entanto, ele acredita que, neste momento, é difícil determinar o futuro dos novos cientistas paquistaneses. “Temos cientistas com boa formação em todos os campos, incluindo biotecnologia, agricultura e ciências sociais”, diz Nasim. “Mas se não tivermos dados de mercado adequados, identificando quais partes do setor industrial precisa de pesquisadores e cientistas, conceder cegamente cada vez mais doutorados é, em larga escala, inútil”.
Em vez disso, Nasim sugere que o Paquistão crie incentivos para a especialização em outras áreas que também apresentam demanda, especialmente no campo de tecnologia.
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Estudantes da Faculdade Rachna de Engenharia e Tecnologia, em Gujranwala, cidade na província de Punjab
Na Índia faltam pessoas com doutorado, e o país quer chegar a conceder vinte mil títulos por ano até 2020, a fim de acompanhar o ritmo de sua crescente economia. Atualmente, o país produz cerca de 8.900 doutoras e doutores por ano. Mas os incentivos para se candidatar a um longo programa de doutorado parece estar perdendo seu apelo. Em vez disso, estudantes buscam empregos mais bem pagos no setor industrial e, para isso, o grau de mestrado ou até mesmo um simples bacharelado são suficientes.
A Alemanha, por outro lado, país que mais produz doutores e doutoras na Europa, gerou cerca de sete mil doutorados em ciências exatas em 2005. A fim de lidar com o problema do excesso de oferta, o doutorado na Alemanha hoje é apresentado como “treinamento avançado”, oferecido não apenas para acadêmicos, como para a força de trabalho de uma maneira geral. A solução parece estar funcionando.
O problema no Paquistão, no entanto, não parece ser o mercado de trabalho incerto e o excesso de cientistas. De acordo com o Dr. Nasim e a Dra. Sultana, para que o Paquistão se beneficie das doutoras e doutores gerados, é preciso estabelecer uma ligação entre o setor industrial, o governo e as instituições de ensino superior.
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“Precisamos de uma política integrada, que identifique quais áreas do mercado precisam de mais pesquisadores”, diz Nasim. Isto só poderá acontecer se houver apoio por parte do governo e do setor industrial. O sentimento é compartilhado pelo Dr. Syed Mohammad Hasnain – alergologista e presidente do Comitê Especial sobre Aeroalérgenos na Organização Mundial para a Alergia.
“Empresas privadas, como as de farmacêuticos, que lucram bilhões de rúpias com cada um de seus produtos, também precisam desempenhar um papel significativo, fornecendo empregos e fundos para os programas de doutorado”, observa Hasnain.
O Conselho Paquistanês de Pesquisa Científica e Industrial é uma plataforma que une governo, indústria e instituições de ensino superior, dispondo para isso de pesquisadores altamente qualificados. Um de seus objetivos é “conduzir trabalhos de pesquisa e desenvolvimento sobre problemas enfrentados pelo setor industrial”. Outras agências que requerem pesquisadores altamente qualificados incluem o Instituto Nacional de Botânica Agricultural, a Academia Paquistanesa de Ciências e o Complexo de Energia Nuclear de Karachi.
Em 2012, o Diretor Executivo da HEC, Dr. Sohail Naqvi, estava bastante otimista quanto ao alto número de doutoras e doutores formados no Paquistão. Ele afirmou que “estes pesquisadores, que já trabalharam em problemas de importância crucial para o Paquistão, desempenharão um papel de liderança na produção de conhecimento, com o potencial para levar o Paquistão a se tornar uma nação desenvolvida”.
O número crescente de pessoas com doutorado é um importante passo adiante para o Paquistão, mas a questão de se o país será capaz de absorvê-los em sua força de trabalho e utilizar seu potencial ainda está por ser decidida.
Tradução: Henrique Mendes
Matérial original publicada no site da Newsline, revista paquistanesa que cobre questões de comportamento, cultura e política no Paquistão.