Depois da derrota na Batalha de Stalingrado, em princípios de 1943, e da retirada do Cáucaso, o Eixo havia perdido a iniciativa no front oriental, com enormes perdas em homens e material. Entre março e abril, a Wehrmacht se recuperou parcialmente com a vitória em Donets e a tomada de Kharkov.
Uma brilhante operação tática do marechal Erich von Manstein conseguiu deter o avanço soviético após Stalingrado. Hitler recobrou o ânimo e vislumbrou a possibilidade de uma nova ofensiva. As circunstâncias da guerra faziam com que o destino do Reich dependesse do triunfo no Leste ou que infligissem tamanhas perdas a União Soviética que obrigassem Stalin a negociar.
A atenção se voltou para uma área de 110 quilômetros de extensão por 200 de largura, formada em torno do saliente de Kursk que, se cortado, Moscou estaria novamente ameaçada.
No verão de 1943, a Wehrmacht e a Luftwaffe estavam melhor equipadas que nunca. A indústria alemã crescia a ritmo exponencial, apesar do incessante bombardeio aliado. Em 1942, havia produzido 5.700 tanques médios e pesados. Em 1943, essa cifra subiu para 11.900. A produção de aviões havia dobrado em dois anos e a de munição, triplicado. A Wehrmacht estava sendo equipada com novas e poderosas armas: o tanque Tiger, o Panther, bem como o canhão autopropelido Ferdinand. Por sua parte, a Luftwaffe recebeu o Focke-Wolfe e o caça-tanques Henschel.
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Em 15 de abril, Hitler emitia a ordem para o início da Operação Cidadela. O Grupo de Exércitos Centro, sob o comando de Günther von Kluge, atacaria pelo norte e o Grupo Sul, comandado por Manstein, pelo sul. Teriam que cortar o “pescoço” do saliente e convergir para cercar e destruir as forças soviéticas. O general Walter Model, com o 9º Exército, atacaria ao sul de Orel, enquanto Hermann Hoth, com o 4º Exército, atacaria ao norte de Kharkov.
Do lado soviético, o general Georgy Zhukov e o Estado Maior apresentaram a Stalin um plano defensivo em torno de Kursk para posteriormente lançar um poderoso contragolpe, que o líder soviético aprovou.
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Tanques alemães se preparando para o combate durante Batalha de Kursk
Nos 105 dias desde o fim dos combates de inverno, o Exército Vermelho usou-os para aperfeiçoar suas defesas. A zona de Kursk se converteu numa vasta fortaleza. Com 300 mil civis construindo na retaguarda, o saliente contava com 8 linhas defensivas escalonadas numa profundidade de 161 quilômetros. Entre as linhas de defesa se encontravam tropas preparadas para contra-atacar. Foram construídos cinturões de fogo de artilharia, postos de resistência antitanques e minas, tudo unido por um extenso sistema de trincheiras.
O objetivo principal era conter e destruir as unidades blindadas inimigas. Foram empregados dispositivos como valetas com “dentes de dragão”, pequenos diques para inundar o terreno. Nunca se havia visto nada igual nem na guerra de trincheiras da Primeira Guerra Mundial.
Na frente interna, as fábricas soviéticas produziam o dobro das alemãs. Durante todo o conflito, a Alemanha não produziu mais que 1.354 Tiger e 5.976 Panther. Em 1943, os soviéticos estavam produzindo os tanques T-34 a um ritmo de 1.200 ao mês.
A estrutura defensiva soviética não tinha precedentes: 1.336.000 homens; 3.444 carros de combate; 2.900 aviões e mais de 10 mil canhões. O Exército Vermelho havia disposto 75% de suas forças blindadas no campo de batalha e 40% de todos os seus efetivos. A perda dessas forças seria uma hecatombe para a União Soviética.
A Frente Central de Konstantin Rokossovsky e a de Voronev de Nikolai Vatutin tinham de fazer frente à ofensiva alemã de 900 mil soldados organizados em 50 divisões, com 2.700 tanques, 2 mil aviões e mais de 10 mil canhões. O início da batalha, fixado para 4 de maio, foi adiado para 12 de junho e posteriormente para 4 de julho, a espera de novos tanques que, segundo Hitler, inclinaria a balança a seu favor. Os adiamentos anularam as expectativas alemãs de um ataque surpresa e deram tempo aos soviéticos de preparar as medidas adequadas.
Em 4 de maio, Hitler convocou uma conferência com a presença de Manstein, Kluge, Heinz Guderian e Albert Speer. Hitler explicou a demora em lançar a operação pela necessidade de esperar novos blindados que proporcionariam a superioridade. A decisão de seguir adiante estava definida. Um êxito militar teria enorme efeito sobre o moral da nação: “Esta operação é de fundamental importância. Kursk será um farol que iluminará o mundo”. Manstein apontou que a ofensiva teria tido êxito se fosse lançada em abril. Guderian afirmou que a operação não tinha nenhum sentido. Hitler seguia pensando que a doutrina defensiva não era viável. Simplesmente não havia suficientes divisões para fazer funcionar uma defesa estática.
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Combatentes alemães durante a Batalha de Kursk
A grande ofensiva teve início em 5 de julho com um desconcertante ataque de artilharia soviético que destroçou parte dos preparativos alemães. Às 03h30 do dia 5, unidades alemãs do 4º Exército desencadearam sua barragem de artilharia ao longo de todo o front sul. Os dois braços da ofensiva alemã utilizaram táticas distintas. Model, no setor norte, decidiu empregar o método clássico. Ordenou a sua infantaria e artilharia que rompessem o front e abrissem uma brecha para a passagem das unidades Panzer, porém não contava com suficiente artilharia para esse tipo de tática.
Ao sul do saliente, os generais Hoth e Werner Kempff adotaram outra tática: os Panzer avançaram em formação de cunha; os Tigers se situavam na ponta; os Panthers e os Panzers rolavam na retaguarda. Atrás marchavam unidades de infantaria sobre veículos. Os três corpos Panzer de Model tinham como primeiro objetivo a localidade de Olkhovatka, a caminho de Kursk. Ao anoitecer do segundo dia tinham coberto 21 quilômetros e se aproximavam de Olkhovatka.
Rokossovsky empregou então suas reservas, o 2º Exército de Tanques e um corpo blindado que forçaram os Panzer a uma batalha de desgaste. Em 9 de julho, Model confessou a Kluge que era muito improvável uma ruptura da frente inimiga.
Na frente sul, Hoth iniciou seu ataque rumo norte a oeste do rio Donets com dois corpos Panzer e Kempff a leste do rio. Os germânicos haviam concentrado um maior número de forças blindadas no sul, onde seu avanço foi maior. As tropas de Vatutin estavam mais dispersas pela dificuldade em prever por onde os alemães atacariam. Hoth avançou com o 48º e o 2º Corpo Panzer, os melhores equipados da Wehrmacht.
O objetivo inicial de Hoth era Oboyan, 32 quilômetros no interior do front soviético, cuja tomada abriria caminho para Kursk. Em dois dias, Hoth avançou 20 quilômetros. Ainda que Vatutin tivesse resistido com seu 1º Exército de Tanques, Hoth avançou outros 11 quilômetros em 11 de julho. No dia seguinte, o 1º Corpo Panzer, tentando romper o sólido dispositivo defensivo soviético, cruzou sua última linha de defesa e deu de cara em Prokhorovka, 35 quilômetros ao sul de Oboyan, com o 5º Exército de Tanques soviético, parte da reserva mobilizada a toda a velocidade. Eis que, frente a frente, se encontraram centenas de tanques, na que seria a maior batalha de blindados da história.
A batalha se converteu num inferno, com tanques disparando em todas as direções, a uma distância tão curta que ambos os lados tiveram de cessar o apoio de artilharia e aéreo por temor de destruir seus próprios blindados. Não havia qualquer ordem no campo de batalha, os tanques se mesclavam tentando destruir o inimigo que estivesse em sua mira. Quando os tanques alemães ficavam sem munição, as tropas do Exército Vermelho se lançavam com fúria a destruí-los. Quando os Tigers e os Panthers puderam utilizar seus canhões de alta velocidade, destruíam os tanques soviéticos. No entanto, a velocidade dos T-34 lhes permitia amiúde escapar.
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Generais russos discutem ações contra alemães durante batalha
As baixas de ambos os lados foram aterrorizantes. Ao finalizar o dia, contudo, eram os alemães que se retiravam. Haviam sofrido demasiadas perdas que os impossibilitava de romper as linhas inimigas e lançar-se a campo aberto a Kursk. A batalha para a tomada de Prokhorovka havia finalizado com mais de 300 tanques, 88 canhões e 300 caminhões alemães destroçados e mais da metade do 5º Exército desaparecida.
A derrota em Kursk pôs fim à ofensiva alemã. Embora o 2º Corpo Panzer tenha infligido mais danos do que recebido, a vantagem estratégica soviética aumentou. Kluge teve de se valer de 2 divisões Panzer e artilharia de Model para fazer frente à contraofensiva vermelha que ameaçava perigosamente a retaguarda do 9º Exército. Hitler teve de cancelar a Operação Cidadela em 13 de julho: “É a última vez que escuto a meu Estado Maior”, afirmou, tentando desculpar-se.
A flor e a nata do nazismo, com os mais avançados produtos de sua tecnologia e estimulado pela crença em sua superioridade racial, confrontou-se com os “inferiores eslavos” numa batalha decisiva e foi derrotado. Kursk foi o ponto culminante da “era Panzer”. Em Kursk, o Exército Vermelho arrasou 30 divisões alemãs, 7 das quais eram divisões Panzer. A reserva blindada central com que contava a Wehrmacht na Rússia, fundamental para fazer frente à crise bélica, tinha desaparecido. Guderian reconheceu sem rodeios que a fracasso da operação representou “uma derrota decisiva”.
Analistas militares colocaram em dúvida que uma força melhor equilibrada faria grande diferença quando se desencadeou a ofensiva, uma vez que as posições defensivas soviéticas se haviam estabelecido numa profundidade sem precedentes. Devido ao caráter do regime nazista, teria sido impossível permanecer durante todo um ano sem atacar no front oriental, como preconizava Guderian. O nazismo teria de ser dinâmico ou pereceria. Foi dinâmico, mas não contava com a inteligência tática, o poderio e o estoicismo das tropas do Exército Vermelho.
Kursk demostrou que o Exército Vermelho podia enfrentar os melhores generais e divisões germânicas, contê-las e fazê-las retroceder. O êxito da defesa de Moscou, Leningrado e Stalingrado havia exigido um excelente comando ao lado de engenhosas táticas e estratégias. A principal causa disto ter ocorrido foi a revolução no alto comando soviético, com a designação de novos comandantes, o que resultou num Exército Vermelho renovado e muito mais competente.
O ano de 1943 marcou a perda irreversível da iniciativa diplomática e militar que a Alemanha nazista tinha desfrutado desde 1933. Se Stalingrado havia demonstrado que a Alemanha acabaria perdendo a guerra, Kursk anunciou ao mundo inteiro que o conflito acabaria irremediavelmente com a destruição total do Terceiro Reich.