Mídia Ninja / Conta d'Água
Sistema Cantareira em 11 de Novembro de 2014
03 a 09/02/15
– “Estávamos muito acostumados a ter ela [água] ali, na torneira. Só quando começou a bater 10, 15 dias sem água, acreditamos [que tinha acabado]” (http://goo.gl/vzwRM2). Caminhões-pipa circulavam sob escolta armada, transportando água de qualidade duvidosa. A cidade fedia a fezes. Isso aconteceu há poucos meses, a meros 100km de São Paulo, em Itu. É uma história que nós, aqui da Grande SP, ainda estamos muito longe de conhecer.
– Mas e como anda a Grande SP? Bem, a falta d’água já está pondo em risco pacientes que dependem de hemodiálise: em algumas clínicas, já não há água suficiente para que os pacientes completem as 4 horas necessárias de tratamento (http://goo.gl/QakYcg). Além disso, os casos de dengue praticamente triplicaram em São Paulo (http://goo.gl/WPmZQY). A Prefeitura relaciona esse aumento à falta d’água, pois as pessoas vêm armazenando mais água limpa, que é onde o Aedes aegypti se desenvolve (http://goo.gl/xrWL9s). Nada que já não estivesse previsto desde novembro de 2014 (http://goo.gl/dvj8Ug).
– Sem água, escolas estaduais têm fechado mais cedo nas zonas norte e leste (http://goo.gl/UQyXbz). Na zona sul, aliás, alunos vêm sendo dispensados desde novembro (http://goo.gl/8Hh4MB). Tanto em novembro como agora, a Secretaria de Educação nega que falte água nas escolas, provando mais uma vez que a água pode até acabar, mas o cinismo é inesgotável. Já nas escolas municipais, a Prefeitura determinou que o consumo de água seja reduzido em 20%. O que as escolas estão fazendo? Proibindo os alunos de escovar os dentes (http://goo.gl/jDMiS3). Se por um lado é hipócrita uma prefeitura que diz “economiza aí” (http://goo.gl/MwpbyD) e não explica como, por outro lado é inaceitável que uma institituição de ensino imponha esse tipo de restrição aos alunos como forma de economia de água.
– Uma pessoa que lavava a calçada em Araçatuba quase foi atropelada porque, nas palavras da motorista, ela estava “acabando com a água do mundo” (http://goo.gl/FfHQgn). Como se vê, a responsabilidade pela crise até hoje é atribuída, se não a São Pedro, à própria população, já que apenas 37% dos paulistas apontam o governo do estado como responsável pela falta d’água (http://goo.gl/HmTVDm). O desafio é 1) criar uma campanha não-fascista de economia de água para uso doméstico. Porque é sim urgente e necessário economizar água em casa – afinal, o uso para abastecimento corresponde a cerca de 49% da demanda hídrica do estado de SP (dados de 2008 do DAEE, segundo o Valor Econômico – http://goo.gl/TSru5hhttp://goo.gl/oUd8HV). As indústrias da região metropolitana preferem usar água tratada na produção a comprar água de reúso por um motivo bem simples: porque a água de reúso é mais cara. A boa notícia é que o governo do estado está “avaliando incentivos” para que essas indústrias adotem o reúso (demorô). Infelizmente não sabemos quantas das indústrias que poderiam adotar o reúso têm contrato de demanda firme com a Sabesp (http://goo.gl/MwYFvR
– O setor de inteligência da PM-SP enviou ao Comando da corporação, no final de 2014, um relatório que previa a ocorrência de protestos provocados pela falta de água e também de luz em 2015 (http://goo.gl/4WtJ4B). Um PM disse inclusive que já está esperando black blocs infiltrados em atos contra a falta d’água [looooongo suspiro]. Em suma: só agora o governo do estado, em parceria com a Prefeitura, começa a definir o que fazer para garantir o abastecimento em serviços essenciais na cidade de São Paulo (http://goo.gl/NRB6wI) – coisa que já deveria ter feito, visto que já falta água em clínicas e escolas. Mas planejamento para conter manifestações populares, isso o governo vem fazendo desde o fim do ano passado.
– Por fim, uma notícia sobre o Brasil: batemos o recorde de conflitos pela água. ***Em 2013*** (http://goo.gl/j82P3J).
***
Dado esse panorama geral, vejamos algumas medidas que o governo do estado vem tomando:
– Água mineral na cesta básica (http://goo.gl/hQoRY7) – mais uma notícia daquelas em que a gente fica esperando pela aparição salvadora do Sérgio Mallandro, e nada. Como diz o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), 10L ou 20L de água potável por mês é uma quantidade irrisória para uma família (http://goo.gl/UqO7lm). Eu vou além e digo que é uma quantidade irrisória para um indivíduo – e é também uma quantidade insuficiente para um cachorro.
– Racionamento – para evitar um desgaste político na imagem de Alckmin, o governo está cogitando implementar um racionamento só nas regiões atendidas pelo Cantareira (http://goo.gl/l6Sy2C). Outra medida de evitamento de desgaste: um glossário da crise (http://goo.gl/1GFzZb). Em vez de volume morto, o glossário diz que é para falar em “reserva técnica”. Minha proposta é – #SejaMarginalSejaVolumeMorto
– Uma consequência possível do racionamento restrito visando evitamento de desgaste é que as pessoas fujam para onde há água (http://goo.gl/ltiLgl).
– Mas esses planos estão sendo feitos em um Mundo Ideal onde não existe racionamento – porque no Mundo Real, este aqui onde vivemos, há pessoas há 9 dias sem água na Zona Sul de São Paulo (http://goo.gl/3Jeg4M) e os cortes no abastecimento já atingem 40% da rede (http://goo.gl/i4PnS6). Aliás, você já viu como é feito o corte? Esta bela reportagem do iG mostra direitinho (http://goo.gl/VLhOV8): é um registro gigante que, para ser aberto e fechado, precisa de dois funcionários trabalhando juntos. Deve dar uma canseira danada.
– Voltando ao racionamento oficial: o governo vai estipular um nível mínimo de segurança do Cantareira para implementá-lo (http://goo.gl/n8YQq2). Engraçado que esse tal nível de segurança já tinha sido definido em janeiro de 2014. Técnicos da Sabesp queriam implementar um racionamento de 2 dias com água e 1 sem quando o Cantareira estava com 25% do volume útil (http://goo.gl/LTnkms).
– Mas tem mais: o governo talvez nem consiga implementar o racionamento oficial tão rápido quanto gostaria, devido a dificuldades técnicas (http://goo.gl/IldiXy). Só não acho isso especialmente ruim porque é completamente inviável um racionamento em que boa parte da população não está preparada para isso, isto é, não tem caixa d’água – Alckmin atrasou a entrega de caixas d’água gigantes na periferia no ano passado (http://goo.gl/t7CVSI). Quem sabe agora dê tempo de entregar as caixas d’água necessárias? [suspiro esperançoso]
– Tem também as 8 Grandes Obras do Governo Paulista (http://goo.gl/n1SBDE), que propõem basicamente trazer mais água para a Guarapiranga e para o Alto Tietê. É difícil avaliá-las, não só porque sou leiga no assunto como também porque as informações sobre elas são muito limitadas – não se tem ideia de prazos ou custos, por exemplo. A única certeza é que obviamente nenhuma ficará pronta para o mês que vem.
– Para a indústria, como vimos anteriormente, o plano do governo é incentivar o reúso, o que é ótimo. Na agricultura, o governo tem pedido economia aos agricultores do Alto Tietê; além disso, começou a fiscalizar outorgas (http://goo.gl/I7tODh). Para que se entenda a importância de “fiscalizar outorgas”, basta dizer que o governo de SP só cobra pelo uso da água em 6 das 21 bacias do estado. “Essa gratuidade favorece grandes consumidores, como a indústria e a agricultura. No último caso, produtores de feijão, soja e milho utilizam regularmente água retirada dos rios.” (http://goo.gl/j9UwpO).
– Outra novidade é que o governo do estado finalmente criou um comitê de crise (http://goo.gl/Oh4MTH). O problema é que esse comitê do governo não contempla nem 1) gente que entende de água (como as ONGs da Aliança pela Água, por exemplo – só duas delas foram mencionadas no decreto, e ainda assim só poderão participar “mediante convite”); 2) aqueles que serão (aliás, já estão sendo) mais afetados pela falta d’água, que são as pessoas de baixa renda – o comitê não contará com a presença de nenhuma ONG ou coletivo da periferia.
– Ah sim, e a conta de água vai ficar mais cara (http://goo.gl/eRTnzt).
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Isto posto, eis algumas soluções e possibilidades que o governo sequer tem considerado, e que foram elencadas pelas ONGs da Aliança pela Água, cuja “Chamada à Ação” (http://goo.gl/Sr5ZDa) precisa ser lida na íntegra:
– Força-tarefa para implementação de cisternas e caixas d’água em bairros de baixa renda (sério, o governo tá esperando o quê?);
– Fiscalização, análise e regulação do uso de água subterrânea, isto é, poços e nascentes (pois não só é preciso estabelecer usos prioritários para essas fontes como também verificar sua qualidade);
– Revisão dos contratos de demanda firme para grandes consumidores (sim, por favor);
– Proteção e recuperação de mananciais (sim, pelo amor de Iemanjá).
[- Com relação à revisão dos contratos de demanda firme, só um pequeno esclarecimento. Ninguém é ingênuo ou besta de achar que o governo deve simplesmente cortar a água das grandes empresas malvadas para que o povo possa tomar banhos de meia hora. É obviamente do interesse de todos que as empresas tenham água suficiente para continar produzindo e não demitir ninguém (http://bit.ly/1DUJvr7). O que não faz sentido é que essas empresas tenham incentivos a ampliar o consumo num momento em que a água está prestes a acabar de vez.
– O tópico “proteção e recuperação de mananciais” é especialmente importante. Dê um google em “governo são paulo medidas água”. Procure pelas palavras “árvore”, “matas ciliares”, “mananciais” nessas notícias. Você encontrará muitos canos, muitas adutoras e muitos, muitos milhões de reais. Mato que é bom, nada – faz sentido, se considerarmos que a bancada governista da ALESP aprovou em novembro uma lei que libera o desmatamento no entorno dos leitos de água (http://goo.gl/nQn7e8).]
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Seção “MENAS, gente, MENAS”:
– Já tem gente propondo TRANSPOR O AMAZONAS para sanar a falta d’água no Sudeste (http://goo.gl/TSiHBd). Nesse mesmo espírito, eu também tenho uma proposta: podemos pegar um naco da Antártica, trazer para São Paulo, cortar em pedaços, pôr um pedaço em cada estádio de futebol, deixar tudo derreter e pronto: ganhamos vários reservatórios novinhos em folha.
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Seção “Devagar com o Estamos Salvos”
– Sim, o nível do Cantareira subiu o/ Estamos agora em 5,9%, segundo a Sabesp (http://goo.gl/k82suD). Só que, na prática, estamos em aproximadamente -23% (http://goo.gl/rDGh0l). O atual presidente da Sabesp, antes de assumir o posto, afirmou que um “estoque confortável” para abril seria de 65%. Positivos (http://goo.gl/Wtc6v1).
– Outra coisa. Sabe aquela solução “na pior das hipóteses, chamamos o caminhão-pipa”? Existem cerca de 650 caminhões-pipa na cidade de São Paulo, e o setor já está operando no limite (http://goo.gl/7seMf0).
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AGENDA
09/02 às 20h ao vivo no Fluxo – entrevista com Marussia Whately da Aliança pela Água para discutir o colapso hídrico e um plano de emergência para São Paulo (http://goo.gl/kW4ziA
11/02 às 17h em frente ao MASP – ato (pré-carnaval!) de luta pela água o/ (http://goo.gl/GE3zhJ)
Texto originalmente publicado no tumblr Boletim da Falta d'Água em SP, de Camila Pavanelli de Lorenzi, com boletins semanais sobre a falta d'água no estado de São Paulo.
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