Agência Efe
“Nós vamos derrotar o Boko Haram”: soldado nigeriano em campanha em favor da união da população e do Exército contra o grupo extremista
Em um hospital na região de Diffa, no sudeste do Níger, vários soldados do Exército nigeriano aguardam a equipe médica. O ar cheira a desinfetante e o sangue que escorre dos ferimentos a bala mancha o chão branco.
Esses são apenas alguns entre os quase 300 membros das Forças Armadas nigerianas que recuaram para além das fronteiras do país em novembro de 2014, após militantes do grupo Boko Haram atacarem a cidade de Malam Fatori, no nordeste da Nigéria. Deitados em macas de hospital em um país estrangeiro, eles estão calados e parecem derrotados. Não há imagem mais emblemática para o desespero que aflige o Exército do país.
Há pouco mais de uma década, as forças armadas nigerianas eram reconhecidas como as mais proficientes em todo o continente, e serviam como uma força estabilizadora na região. Hoje, porém, a falta de recursos e a corrupção limitam sua capacidade de responder à ameaça crescente imposta pelo Boko Haram, que pretende estabelecer um califado na Nigéria. Motins e retiradas como a do fim do ano passado têm se tornado comuns entre soldados parcamente armados e tementes pelas próprias vidas.
A força do exército nigeriano remonta à guerra civil de 1967-1970. Na luta do governo contra a secessão de Biafra, as forças cresceram das iniciais 10.500 tropas para 250 mil em 1970.
Depois disso uma série de governos militares, os lucros advindos da exportação de petróleo e a ambição de ser uma potência regional foram fatores que contribuíram para o crescimento da força militar do país. Esta culminou em intervenção em guerras civis na Libéria e em Serra Leoa nos anos 1990 e no começo dos anos 2000.
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É difícil, até para o governo, entender exatamente quando o declínio começou. A forte cultura militar do país faz com que as pessoas do meio não se sintam à vontade em expor as fraquezas do Exército. Mas muitos concordam que o envio de tropas para o Mali em 2013, como parte da Missão de Apoio Internacional ao Mali organizada pela Comunidade Econômica de Estados da África Ocidental, expôs pela primeira vez os problemas das forças nigerianas para o mundo.
A Nigéria foi um dos vários países africanos a enviar cerca de três mil soldados para os esforços de retomada do norte do Mali, dominado por extremistas islâmicos. “Quando soubemos que a Nigéria enviaria tropas, todos demos um suspiro de alívio”, lembra um diplomata ocidental baseado em Abuja, capital nigeriana, que pediu para permanecer anônimo. “Mas muitos dos soldados chegaram literalmente descalços e desarmados. Foi um choque.” Desde então, a insurgência do Boko Haram no nordeste do país tem evidenciado ainda mais os problemas militares da Nigéria.
O Exército nigeriano está empregado em uma série de missões e suas forças são poucas para executar todas elas. Embora haja cerca de 100 mil soldados, eles estão divididos entre combater o Boko Haram no norte, evitar o roubo de petróleo no delta do rio Níger e acalmar conflitos tribais no centro do país, enumera Kayode Akindele, da empresa de investimento pan-africana 46 Parallels.
Isso faz com que o número de tropas no nordeste do país não passe de 15 mil, diz Akindele. Este número não é muito maior do que o de militantes lutando pelo Boko Haram, de acordo com Jacob Zenn, analista da Jamestown Foundation, think-tank sobre geopolítica baseado nos Estados Unidos.
O armamento é outro problema para o exército nigeriano. Há pouca manutenção e oficiais relatam que desde os anos 1990 houve uma brusca queda no fornecimento de equipamento para as tropas. Até 2014, a força aérea não possuía helicópteros para operações noturnas, diz Akindele.
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Soldados nigerianos em treinamento promovido pelo Exército norte-americano em iniciativa antiterrorismo do departamento de Estado dos EUA, em 2007
No papel, verbas não são um problema. Em 2013 a Nigéria investiu 2,4 bilhões de dólares em defesa, quase o quádruplo do valor investido em 2005, segundo o Instituto Internacional Estocolmo de Pesquisas sobre a Paz (SIPRI, na sigla em inglês). Mas a pouca fiscalização sobre os gastos militares fazem com que os fundos direcionados à aquisição de armamento ou ao salário dos soldados sejam desviados.
Segundo o diplomata, são os oficiais quem decidem o que fazer com o dinheiro. “Soubemos que no norte há soldados que não estão sendo pagos ou alimentados apropriadamente, nem recebendo munição.”
Além disso, as táticas do Boko Haram são um desafio para uma força militar tradicional. “O Exército está programado para operações tradicionais de guerra, não para este tipo de combate de guerrilha”, diz Akindele.
Os soldados nigerianos também não podem contar com a mesma forte motivação ideológica de seus inimigos jihadistas. A imprensa nigeriana reportou diversas rebeliões entre soldados no último ano, e muitos casos de retirada para além das fronteiras da Nigéria para escapar dos militantes, em muitos casos melhor equipados e mais determinados do que os soldados.
“Sempre que há combates na fronteira, eles vêm para cá”, contou um médico que tratava dos soldados feridos em Diffa. Segundo forças militares camaroneses, em agosto de 2014 quase 500 soldados nigerianos recuaram e se refugiaram em Camarões.
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Simpatias étnicas e religiosas, assim como interesses pessoais, parecem ter estimulado ligações com o Boko Haram. Em agosto, o negociador independente australiano Stephen Davis, que trabalhava no resgate das meninas sequestradas em Chibok, acusou o ex-chefe do Exército Azubuike Ihejirika de financiar o grupo. O governo nigeriano penalizou vários soldados e comandantes por deserção, motim ou envolvimento com os insurgentes. Em setembro do ano passado, uma corte militar em Abuja sentenciou 12 soldados à morte após eles se rebelarem e abrirem fogo contra seu comandante em Borno, no norte do país.
A Anistia Internacional acusou as forças armadas da Nigéria de várias violações, desde prisões arbitrárias até o assassinato de civis. “Há comunidades sendo assediadas tanto pelo Boko Haram quanto pelo Exército”, escreveu Salil Shetty, secretário-geral da organização, em um relatório de agosto de 2014.
O governo e as forças armadas estão se esforçando para superar os problemas. Em janeiro do ano passado, o presidente Goodluck Jonathan substituiu os comandantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha, além dos chefes da força policial federal e do Serviço de Segurança do Estado. Essa mudança no topo do comando militar do país sugere que o governo esteja querendo “pessoas em que confie na liderança”, opina o diplomata.
No entanto, uma solução rápida para a insurgência do Boko Haram parece pouco provável. E ela certamente vai requerer mais do que uma resposta militar. Parte da motivação dos militantes é também a negligência do governo federal para com a pobreza do nordeste do país, que pouco parece ter mudado.
Para muitos, entretanto, é tarde demais. “Na Nigéria, quando eu ouço tiros eu sinto medo porque eu sei que o Exército não vai me proteger”, diz Rekia Abakar, nigeriana da região de Borno que se refugiou em Níger com seus dois filhos. “Aqui eu me sinto melhor e mais segura.”
Tradução: Carolina de Assis
Matéria original publicada na revista Africa in Fact, que se dedica a questões atuais relacionadas a política, economia e cultura na África.