Kolitha de Silva / Flickr CC
Pescador na região de Panadura, sudoeste do Sri Lanka: projetos para desenvolvimento do turismo no país tem prejudicado moradores, diz ONG
“Claro que há problemas. Qualquer país em desenvolvimento tem problemas quando tem um governo como o nosso”, comenta Riash, 40 anos, a meia voz. Ele fala sob o sol de Kalpitiya, uma pequena cidade costeira no noroeste do Sri Lanka. Juntamente com outras comunidades vizinhas, a localidade foi mencionada em relatório divulgado em fevereiro por uma ONG suíça, que reporta “sistemáticas violações dos direitos humanos” na recente expansão do turismo na ilha asiática.
Riash fala do sistema político que rege o Sri Lanka desde o fim da guerra civil, há seis anos. A conversa acontece sob a sombra da caminhonete deste pequeno empresário dedicado à depuração da água contaminada com arsênico. É o único habitante que parece falar inglês em Kalpitiya.
A comunidade, juntamente com outros vilarejos dos arredores, apareceu no relatório “A shadow on the sunny paradise” (“Uma sombra no paraíso ensolarado”, em tradução livre), da ONG suíça Sociedade para os Povos Ameaçados (STP). O relatório traz denúncias de violações dos direitos humanos dos moradores devido ao próspero turismo de estrangeiros na ilha, que chegou ao norte do país há apenas dois anos. Essa indústria cresce em ritmo acelerado desde o fim da guerra civil que manteve o país isolado durante quase três décadas (1983-2009) e já afeta 1.200 famílias da região, segundo a ONG.
São famílias, na maioria composta por pescadores, que viram como o surgimento de novos resorts de luxo transformaram muitas praias de onde antes saíam para trabalhar em paraísos particulares ao alcance de alguns poucos ocidentais. Muitas dessas praias permanecem fechadas com cercas de arame farpado e o acesso não é permitido aos nativos, que sem poder trabalhar têm sido confinados à pobreza.
Leia também:
Expansão de turismo e cobrança de ingressos em templos irritam monges e peregrinos budistas na China
Restaurante dedicado a culinária de países em conflito com EUA causa polêmica com menu palestino
Mulheres de Quênia e Etiópia obtêm autonomia financeira e subvertem papéis de gênero por meio do atletismo
Desde que o país abriu suas fronteiras ao turismo, esta antiga colônia portuguesa, holandesa e britânica, sucessivamente, uma idílica ilha de cartão postal banhada pelas águas do oceano Índico, transformou-se em um importante destino turístico internacional. Apenas em 2013, quatro anos depois de abrir suas portas a estrangeiros, o Sri Lanka ocupou o primeiro lugar no ranking de uma seleta lista de “países para visitar”, elaborada pelo guia de viagem Lonely Planet.
De um total de um milhão e meio de estrangeiros em férias que o Sri Lanka recebeu em 2014, mais de 144 mil entraram com passaporte britânico, o principal contingente de visitantes que chegam a partir da Europa Ocidental, seguidos por quase 103 mil alemães. Segundo o relatório da ONG, “pelo menos 49 agências de viagens alemãs e 21 suíças oferecem hotéis nas áreas turísticas” identificadas como regiões em que os moradores estão sendo prejudicados pela expansão do turismo.
Por esse motivo, a ONG insta os operadores de turismo europeus a “assumir sua parte de responsabilidade” no que considera uma crescente violação dos direitos humanos fundamentais dos nativos.
Considerando um projeto de desenvolvimento do turismo no país que somente em Kalpitiya pretende estabelecer 10 mil leitos em 17 hotéis de luxo, as contas não fecham. “Houve muito investimento”, conta Riash referindo-se às “pessoas ricas de Colombo”, a capital, porém também a empresários “chineses e malaios”, que têm adquirido terrenos onde serão construídos complexos turísticos com fundos públicos.
NULL
NULL
Gane / Flickr CC
Praia em Unawatuna, ladeada por hotéis e restaurantes direcionados a turistas estrangeiros
Um capítulo do relatório da ONG dedica-se, inclusive, às expropriações de terras e remoções de moradores. “Durante décadas, as Forças Armadas ficaram com grandes extensões de terras ao norte da ilha.” O documento revela que, durante a guerra, muitos habitantes fugiram para outros países ou para outras regiões do país. Quando o conflito terminou, muitos deles quiseram voltar e recuperar suas terras, porém se depararam com o Exército, que transformou as propriedades em “campos militares”, “Áreas de Alta Segurança (HSZ, na sigla em inglês)” ou “áreas econômicas especiais”.
A ONG afirma que, apesar do fim da guerra civil no Sri Lanka, “o gasto militar aumentou continuamente durante os últimos anos”. Se em 2009, último ano do conflito, foram destinados 1,1 bilhão de euros para gastos militares, em 2015 o orçamento saltou para 1,9 bilhão de euros ou 16,6% do orçamento geral do Estado.
A organização alega que os militares têm centrado esse aumento no orçamento cada vez mais no turismo, com os três corpos das Forças Armadas abrindo hotéis e oferecendo atividades turísticas em todas as regiões do país. Em declarações de um tenente-coronel feitas ao relatório, “a intenção das Forças Armadas nos próximos anos é gerir mais de 150 hotéis em todo o Sri Lanka”.
Devido a essas expropriações, a ONG pede aos organizadores de viagens de turismo europeus que não ofereçam hotéis administrados por militares ou outras atividades turísticas geridas pelo Exército, “a menos que se possa demonstrar que elas não se baseiam na aquisição ilegal de terras ou em outras violações de direitos humanos”. E cita, como exemplo, o caso de um morador que viu começarem as obras de construção de um hotel em suas terras sem que ninguém do governo lhe tivesse avisado ou pedido autorização.
Tradução: Mari-Jô Zilveti
Matéria original publicada no site do jornal espanhol El Diario.