Agência Efe
Pessoas participam de ensaio para o Dia Internacional da Ioga em Bangalore
Lembram quando Narendra Modi, primeiro-ministro indiano, instituiu o Ministério da Ioga, e o mundo todo achou graça? Pois bem, no próximo dia 21 será celebrado o primeiro Dia Internacional da Ioga, promovido pela ONU, e as turbinas da propaganda nacionalista na Índia já giram a toda capacidade. Aqui a Ioga, com 'I' maiúsculo, é coisa séria.
Há dias a imprensa indiana informa diariamente a população sobre os preparativos da máquina estatal indiana para o dia 21, quando a projeção da ideia de Índia segundo Modi atingirá o ápice da difusão internacional, graças à tradição Western friendly da ioga.
O centro nevrálgico do exercício físico que faz bem ao espírito será o boulevard Rajpath, em Nova Déli, onde Narendra Modi em pessoa estará presente no evento oficial organizado pelo Ministério da Ioga (na verdade, Ministério de Ayurveda, Ioga & Naturopatia, Unani, Siddha e Homeopatia, conhecido também pela sigla “Ayush”). A partir das 7 da manhã do domingo, haverá 35 minutos de prática coletiva em praça pública, da qual participarão mais de 45 mil pessoas, entre elas funcionários públicos, estudantes e “cidadãos simpatizantes”, de olho no recorde mundial de maior prática simultânea de ioga já registrada.
Segundo o Ministério do Exterior da Índia, que está coordenando a realização de celebrações do dia em 177 países, o evento principal será transmitido em mais de 100 telões espalhados pelo mundo – um deles em Nova York, na Times Square.
Se as celebrações no resto do mundo tendem a galvanizar o estilo de vida saudável etno-chic das academias urbanas, permeado com aquela aura new age de que a ioga se dotou ao ser exportada para além dos confins indianos, aqui no subcontinente todos se preparam para uma manifestação de orgulho pátrio. Este nacionalismo ligado à cultura do corpo e do espírito liga a tradição da ioga (que nada tem a ver com identidade patriótica e discriminação religiosa) ao autoritarismo de organizações ultra-hinduístas como a Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS – Organização Patriótica Nacional), espinha dorsal extraparlamentar do nacionalismo hindu da direita indiana.
O impacto visual dos 45 mil entusiastas de asanas (posições da ioga) reunidos em Rajpath sem dúvidas remeterá à compostura marcial das reuniões de ioga organizadas pela RSS: a cultura do corpo a serviço da causa ultranacionalista, combinada a técnicas de “autodefesa” com o lathi – ou bastão – utilizadas em incursões contra os “inimigos da Índia” – muçulmanos, gays, progressistas, comunistas e minorias étnicas.
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Considerando o imaginário coletivo de que a ioga goza amplamente fora da Índia, e também entre os muitos indianos para quem a ioga é uma questão de corpo e espírito, sem conotações identitárias, a dissonância estética do próximo dia 21 de junho ajuda a entender a deturpação de que tem sido alvo a ioga ao longo dos anos, tanto no exterior quanto na Índia, vítima da apropriação ultra-hinduísta.
O espírito da festa, ao menos em nível institucional, tem um quê de autoritário: rodou pelos escritórios públicos do país um memorando enviado pelo ministério da Ioga que convidava todos os funcionários de alto escalão a participar do treinamento preparatório para o evento do dia 21. A participação era facultativa, mas quem já trabalhou em estruturas corporativas e burocráticas sabe bem o que pode significar não frequentar entusiasticamente as iniciativas propostas de cima.
Além disso, há a polêmica por parte de alguns grupos muçulmanos que protestaram contra obrigatoriedade do surya namaskar, a Saudação ao Sol. Segundo a organização All India Muslim Personal Law Board, o exercício vai “de encontro a nossa crença religiosa e não deveria ser imposto a nossos filhos”.
O desconforto de alguns grupos islâmicos na Índia é evidente: a Festa da Ioga, patrocinada por instituições indianas e ferramenta de marketing para a marca Índia, aliena a população islâmica que faz deste o terceiro país muçulmano do mundo, contando mais de 180 milhões de fieis. Em resposta, alguns nacionalistas hindus preferiram colocar lenha na fogueira. Yogi Adityanath, parlamentar do Partido do Povo Indiano (BJP, na sigla local) – o mesmo do primeiro-ministro Modi – declarou: “Quem é contra a Saudação ao Sol ou vive em um buraco ou deveria se jogar ao mar”.
De todo modo, o governo acabou excluindo o surya namaskar dos asanas previstos para o evento do dia 21, abafando a polêmica e evitando que a discórdia possa atrapalhar a celebração mundial da nova Índia de Narendra Modi, que em sua própria imagem pessoal tem trabalhado bastante sobre a reapropriação da ioga.
Se ioga é consciência e cultura do corpo e do espírito, a Ioga™ é um produto a ser exportado, uma das marcas que a Índia de Modi quer utilizar nesta guerra mundial combatida a golpes de soft power.
Matéria original publicada no site China Files.