Jennicet Gutiérrez causou rebuliço durante o ato organizado pela Casa Branca para celebrar a semana do Orgulho LGBT. Dois dias antes que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidisse pela legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país, a ativista trans mexicana interrompeu Obama enquanto ele discursava diante de representantes da militância lésbica, gay, bissexual e trans norte-americana. Do meio da multidão, emergiu uma voz: “Presidente Obama, liberte a comunidade LGBTI dos centros de detenção. Parem de torturar as mulheres trans que estão detidas. Eu sou uma mulher trans e estou cansada”.
Gutiérrez queria que Obama conhecesse a história que a levou a Washington no dia 24 de junho, usando vestido longo e acompanhada de uma colega de militância, a fim de interromper o presidente norte-americano no meio de seu discurso. “Decidi interrompê-lo para contar sobre os abusos sofridos por pessoas LGBTI nos centros de detenção do Serviço de Imigração e Controle de Fronteiras dos Estados Unidos. Elas são agredidas fisicamente e submetidas a violência sexual e emocional. Eu queria pedir que elas fossem libertadas”, explica a ativista.
“No último dia 28 de maio, fizemos uma manifestação do lado de fora de um centro de detenção na Califórnia. À noite saiu de lá uma mulher transgênero guatemalteca, em situação irregular nos EUA. Ela nos contou que a violência dentro do centro era horrível: ela foi agredida fisicamente, tocaram seus seios e alguns dos companheiros que também estavam detidos abusaram sexualmente dela”, relata Gutiérrez. Neste momento, a militante se deu conta de que estes episódios eram desconhecidos pela comunidade LGBT norte-americana e que era necessário falar sobre eles.
Ela denuncia que, nestes locais, o gênero das mulheres trans não é respeitado, e elas são encarceradas junto aos homens. Segundo os dados fornecidos por sua associação, Familia TQLM [Trans Queer Liberation Movement, ou Movimento de Libertação Trans Queer], há 75 pessoas estrangeiras pertencentes à comunidade LGBT detidas em centros de detenção nos EUA esperando que um juiz analise seus casos e decida se serão deportadas ou não. A maior parte delas são mulheres trans mexicanas e centro-americanas.
“Além disso, se elas denunciam os abusos, os agentes não resolvem o problema: castigam-nas, encarcerando-as por mais tempo”. A ativista considerou uma prioridade que o presidente dos EUA fosse informado sobre estas violações no dia em que celebrava o Orgulho LGBT na Casa Branca. Ela conta que, antes de seu protesto, várias organizações já haviam transmitido a queixa ao governo norte-americano, ainda que, “infelizmente, não tenham tido sucesso e ninguém as tenha escutado”.
Gutiérrez vive há vinte anos nos Estados Unidos em situação irregular, e sabia do risco de ser presa por atrapalhar um evento na residência de Obama. “Sei que corri um risco pessoal muito grande. Mas com esta intervenção eu não queria representar a mim mesma, mas sim tornar público o sofrimento de minha comunidade”, observa. Quando começou a gritar, pedindo liberdade para as detentas, Obama interrompeu seu discurso. Visivelmente incomodado, ele a contestou: “Você não vai ter uma boa resposta me interrompendo deste modo”.
Acompanhando Obama estava o vice-presidente Joe Biden, que chegou a colocar as mãos na cabeça por alguns momentos. Enquanto isso, o líder norte-americano continuava tentando fazer com que a mexicana se calasse: “Escute, você está na minha casa, isso não é respeitoso”. A ativista continuou sua queixa em espanhol: “Não é justo, presidente Obama, que nossas comunidades sofram”. O público apoiou o anfitrião, houve uma salva de palmas e, por fim, gritaram: “Obama, Obama, Obama”, a fim de silenciar as queixas de Gutiérrez.
NULL
NULL
“Eu me senti como se me dessem uma facada nas costas. Não consideraram importante o que eu queria contar. Não me deram atenção. Apoiaram o presidente”, diz a ativista, que foi embora muito decepcionada com a postura adotada por parte da comunidade LGBT norte-americana na ocasião. Tampouco imaginava que o presidente não teria nenhum interesse por saber a razão de seu protesto: “Eu tive a impressão de que a forma utilizada por ele para responder demonstrou falta de liderança, ele quis dizer que a denúncia que eu fazia não era importante. Foi muito doloroso”. Ela conseguiu deixar a Casa Branca sem ser presa; ficou detida durante 20 minutos, comprovaram que constava na lista de convidados e, portanto, deixaram que fosse embora.
Gutiérrez fundou a associação Familia TQLM com o objetivo de introduzir no debate público a defesa dos direitos da comunidade LGBT provenientes de outros países nos EUA. Ela avalia que o que ocorreu na Casa Branca demonstra que há ainda muito trabalho a ser feito e que os coletivos de pessoas trans e gays norte-americanos não querem compartilhar suas reivindicações. “Não escutam nosso sofrimento e nossas histórias. Isto ficou muito claro no vídeo difundido de meu protesto. Por isso é necessário seguir pressionando mais membros da comunidade, para que tomem uma posição sobre o assunto”.
A petição promovida pela Familia TQLM vai além dos centros de detenção: “Não sofremos violência apenas nestes lugares. Até o momento, somente neste ano, foram reportadas nove mortes violentas de mulheres trans negras e latinas. É uma onda de violência que nos afeta e que não podemos tolerar.” Até uma semana após o protesto, a administração Obama não tinha entrado em contato com Gutiérrez para saber mais sobre a questão.
Contudo, após a repercussão midiática, o Departamento de Imigração publicou o protocolo que determina como deve ser o procedimento dos agentes ao deter pessoas transexuais. “A divulgação deste documento não soluciona o problema. O texto já existia antes e ainda assim se cometiam abusos”, responde Gutiérrez. A ativista considera a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo nos EUA um fato histórico, mas defende que a comunidade não deve se acomodar, já que ainda há muitos objetivos a serem alcançados: “Para as pessoas LGBTQ negras, latinas e de outras minorias étnicas, o casamento não é uma prioridade. Nosso objetivo consiste em encontrar oportunidades, educar a sociedade e pedir que as deportações sejam suspensas”.
Tradução: Henrique Mendes
Matéria original publicada no site do jornal espanhol El Diario.