Michael Mooney / Flickr CC
Baterista no Shanghai Jazz Club: China terá uma filial do famoso clube Blue Note em Pequim
No fim de junho, o famoso clube nova-iorquino de jazz Blue Note anunciou que vai abrir uma filial no porão da antiga sede da Embaixada dos Estados Unidos em Pequim em março de 2016. Além do clube na capital chinesa, o Blue Note espera inaugurar novas unidades em Xangai e Taipé nos próximos anos.
“A China é um mercado emergente para apresentações ao vivo de música ocidental”, disse ao New York Times o presidente do Blue Note Entertainment Group, Steven Bensusan. “Nós estaremos na linha de frente contribuindo para construir esse cenário.”
Será que a expansão do Blue Note em direção ao Leste da Ásia vai levar ao renascimento chinês de um gênero que já foi banido por ser considerado subversivo? Ou, como se perguntam alguns céticos, o espaço terá um impacto limitado e simplesmente funcionará como um ponto de encontro para uma elite chinesa com certo gosto musical?
Jazz e censura na China
A partir de 1949, nos anos que se seguiram à Revolução Comunista na China, o jazz – com sua tradição de livre expressão – era tachado de “música amarela”, um enquadramento que o colocava na mesma categoria da pornografia no país.
Naqueles tempos, era um perigo real ser apanhado se comprazendo com ideias e cultura do Ocidente. Mesmo hoje, músicos continuam a ser censurados por desafiar as políticas do governo chinês: em 2008, a cantora islandesa Björk foi banida quando pediu a independência do Tibete durante um show em Xangai.
Tendo como alvo frequentemente o material que consideram “vulgar ou de mau gosto”, censores chineses também baniram canções de Guns N’ Roses, Backstreet Boys, Lady Gaga e Kate Perry, entre outros.
Apesar do frágil relacionamento do país com a liberdade de expressão, a iminente chegada do Blue Note Pequim poderia ser melhor definida como a continuação de uma tendência do país à abertura.
A necessidade de aprovação oficial de música popular ocidental no país emergiu no fim da Revolução Cultural, em 1976. Nos anos 1980, o rock and roll ganhou adesão popular entre os mais jovens até ser esmagado na esteira do massacre da Praça da Paz Celestial (Tiananmen), mas a ascensão da internet nos anos 1990 permitiu aos chineses fãs de música contornarem os censores. Agora, shows de pop ocidental, de Linkin Park a Beyoncé, são realizados na China diante de multidões de adoradores.
Um conto de duas cidades
Hoje, Pequim é conhecida por ter uma pequena e unida comunidade de jazz acústico que emergiu nos anos 1990, com a maioria dos músicos complementando a renda de suas apresentações de jazz com performances de rock e pop.
Já na cidade de Xangai o jazz tem uma longa história que remonta aos anos 1930, quando orquestras de jazzistas negros eram contratadas pelo suntuoso Salão Canidrome. Na época, a cidade era chamada de “a Paris do Leste”.
Xangai exibe uma cultura mais cosmopolita do que Pequim, em parte por seu papel como capital financeira. O jazz é regularmente tocado nos clubes e salões dos hotéis da cidade, o que garante trabalho para músicos locais, bem como para estrangeiros provenientes dos Estados Unidos e da Austrália.
A cidade é também o lar de Ren Yuqing, empresário e divulgador do jazz na China. O baixista abandonou o rock em 2004 para abrir o JZ Club e criar o JZ Music Festival, um dos maiores festivais de jazz da Ásia. Em 2006, ele fundou a JZ School, que atraiu corpo docente internacional de instituições renomadas nos EUA como o Berklee College of Music, a Eastman School of Music e a Manhattan School of Music.
O crescimento do jazz na China tem sido alimentado por outros fatores. Uma classe média em ascensão com mais renda disponível significa que músicos de jazz em fase de formação podem viajar para os EUA e lá estudar, aprimorando suas habilidades na fonte.
Aqueles que não podem arcar com a viagem para os Estados Unidos vão para a Internet. A maioria dos intérpretes chineses de jazz usa sites de compartilhamento de música, onde podem encontrar todos os estilos de jazz, seja por meio de webcasts ao vivo de concertos ou performances pré-gravadas. E, claro, há a miríade de conteúdo livre no YouTube.
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Wikimedia Commons
A banda do norte-americano Buck Clayton no Salão Canidrome em Xangai nos anos 1930
O trombonista Andy Hunter viveu em Xangai por cerca de dois anos e meio entre 2000 e 2007. “Quando cheguei pela primeira vez, os intérpretes de lá estavam aprendendo jazz no estilo antigo: escutando e transcrevendo música de discos e ocasionalmente encontrando músicos reconhecidos internacionalmente”, conta. Hunter explica que o jazz não porta mais a bagagem política e cultural que possuía nos anos seguintes à Revolução Cultural.
Enquanto isso, nos EUA algumas pessoas periodicamente se perguntam se o jazz é ou não um gênero musical moribundo.
Os números transmitem alguma credibilidade ao argumento. O relatório do centro de pesquisas de mídia Nielsen sobre o mercado da música nos EUA em 2014 constatou que a música clássica e o jazz detinham uma fatia de apenas 1,4% do mercado, o que inclui venda de álbuns, downloads digitais e streaming. (É preciso observar que as cifras da Nielsen não abrangem os CDs produzidos pelos próprios artistas e vendidos em quantidade crescente em clubes, concertos e festivais, uma prática cada vez mais disseminada).
Dito isso, há ainda uma sólida infraestrutura para o contínuo estudo e interpretação de jazz. A formação em jazz, participação em bandas e competições podem começar com crianças dos 10 aos 15 anos.
No ensino médio, os estudantes mais talentosos se beneficiam de programas oferecidos pelo Instituto Thelonious Monk, Jazz no Lincoln Center e SF Jazz Center em São Francisco. Para os pupilos mais avançados há também centros especializados de pesquisa, tais como o Instituto de Estudos de Jazz, da Universidade Rutgers, além de publicações acadêmicas e populares.
Música para os ricos ou para as massas?
A China, por sua vez, não tem esse tipo de infraestrutura musical.
[Músicos no East Shore Live Jazz Cafe em Pequim (fev/2015). Imagem: montager / Flickr CC]
O saxofonista, bandleader e compositor MurrayJames Morrison vive e trabalha na cidade de Chengdu, sudoeste da China, desde 2010.
“Os desafios que o jazz enfrenta na China são mais mundanos do que a questão de sua existência estar em risco ou não”, diz o músico. “Para iniciantes, o jazz tem muito pouco apoio institucional na China, especialmente fora de Pequim e Xangai. Fora dessas cidades, as coisas de que a música precisa para prosperar – educação, gravadoras, organizações comunitárias, organizações sem fins lucrativos – estão em falta.”
Apesar disso, Morrison nota que os músicos chineses de jazz “estão cada vez melhores. Tem trabalho pra gente aqui.”
Já o músico de vanguarda Dave Liebman, saxofonista e flautista que acabou de retornar de um giro pela China, expressou dúvidas sobre a capacidade de o jazz emplacar no país. “As plateias eram simpáticas e receptivas”, disse ele, observando que eram formadas por “muitos jovens”. Mas Liebman acrescentou que o Blue Note Pequim vai provavelmente “ser uma unidade comercial ligada à elite. São pessoas com dinheiro que podem se permitir ver um segundo de Herbie Hancock e gastar 150 dólares no jantar. Pessoas com posses… provavelmente não serão os ouvintes mais aventureiros.”
Apesar das reservas de alguns, outros observam que a expansão do Blue Note rumo ao país mais populoso do mundo só pode resultar em mais exposição e renda para músicos de jazz.
“Estou muito entusiasmado com as notícias, já que isso trará grandes oportunidades para todos os músicos de jazz”, diz Le Zhang, cantor de jazz nascido em Xangai que mora hoje no Brooklyn, em Nova York.
Embora Zhang ache que Xangai teria sido uma opção mais lógica pra o primeiro clube chinês do Blue Note, ele diz esperar o melhor, e que “talvez as coisas mudem em alguns anos”.
Parece que com o Blue Note Pequim – e o jazz, em geral – os chineses estão afinados na nota E (Mi), de Economia: o que gera dinheiro na China é bom.
E neste caso, o que é bom para a economia chinesa é um bom presságio para o jazz.
Tradução: Maria Teresa de Souza
Matéria original publicada no site The Conversation.